FATOS DO BRASIL IMPÉRIO

Bem vindo ao blog FATOS DO BRASIL IMPÉRIO. Aqui são narrados fatos da época do Império, geralmente pouco conhecidos, extraídos do livro REVIVENDO O BRASIL-IMPÉRIO, que publiquei sob o pseudônimo Leopoldo Bibiano Xavier. Leitura muito útil, que dá uma visão realista do modo como o Imperador Pedro II conduzia os destinos do País.
Você está convidado a visitar também os sites referentes ao meu livro mais recente, A VOLTA AO MUNDO DA NOBREZA, que contém mais de 1.700 fatos mostrando a atuação da nobreza em diversos países e épocas:
www.mundodanobreza.com.br
www.fatoshistoricos.com.br

Leon Beaugeste

30.5.08

08 - EDUCAÇÃO, ARTE, CIÊNCIA, TECNOLOGIA - O IMPÉRIO NAS VIAS DO PROGRESSO

Em torno do Imperador, surge no País uma elite cultural e artística

As conveniências da cultura, das artes e das letras nos governos monárquicos, e o abastardamento do gosto atribuído aos regimes puramente democráticos, constituem um argumento em favor das monarquias e em desabono das repúblicas. Todos os reis conhecem isto. Sabe-se que em toda a parte e em todo o tempo os períodos mais brilhantes do desenvolvimento das letras condisseram com o maior esplendor dos tronos.
A democracia não é literária, porque é a igualdade; e a inteligência, que ela pretende nivelar, é indispensavelmente aristocrática. Nada mais aristocrático do que o grande poeta da democracia, Victor Hugo. A literatura ou a arte democrática não existem. Sendo manifestações do que há de melhor e de superior na inteligência humana, são forçosamente aristocráticas. As ciências, as letras e as artes jamais florescerão nos estados sociais onde impera a democracia.

Assis Chateaubriand comentou a respeito de D. Pedro II: “Mau grado o lamentável espetáculo de incapacidade da vida pública do Brasil, ele criou um ambiente de ordem política, que era, em larga parte, uma transposição e uma projeção da sua personalidade vigorosa. A obra mais interessante do Imperador consistiu na formação das elites no Brasil. Elites políticas, elites literárias, elites artísticas, ele se preocupava da criação de todas elas, e com uma sabedoria doce, insinuante e sagaz”.

Aos 29 anos, acabara por criar no Brasil um verdadeiro mecenato, que atinge todos os ramos da atividade literária, artística e científica. Macedo, Alencar, Gonçalves Dias, Gonçalves de Magalhães, Varnhagen, entre outros, se encarregam de elevar o nível intelectual do País, estimulados pela atenção que o Soberano dedicava às coisas literárias. Pintores, músicos e escritores encontram apoio e auxílio que chegam por intermédio de viagens de estudos, de encomendas de obras, enfim, por todas as formas de que o Imperador podia dispor. Lendo todos os jornais da Capital e das províncias, tendo à sua disposição funcionários que assinalavam os artigos que podiam interessá-lo, não somente os que se referiam à política, mas também às artes e às letras, o Imperador deseja ter dinheiro apenas para fundar escolas, para a compra de livros, de objetos de arte, de quadros, ou para financiar aqueles que ele julgava dignos de apoio.

O Imperador reunia freqüentes vezes, em sessões literárias e científicas, os homens de letras e os sábios brasileiros, para com eles examinar alguma nova produção ou discursar sobre literatura, ciências e artes. Eram as conferências conhecidas como ‘palestras imperiais’.

Na corte de Pedro II, Victor Hugo e Lamartine é que pareciam reinar. Seus livros, lidos e discutidos pela elite na língua original, haviam sido traduzidos e divulgados amplamente.
Uma certa douceur de vivre, na expressão de Talleyrand, parece estender-se sobre a sociedade brasileira, marcada pela personalidade do Imperador, cada vez mais integrado aos assuntos intelectuais. De hábitos simples, inimigo da ostentação, utiliza ainda a velha carruagem que pertenceu ao avô, D. João VI, para seus passeios habituais. Rodeia-se de gente erudita, sem distinção de cor ou de fortuna. Auxilia os artistas em suas realizações. Estimula, com dinheiro, os estudos de Pedro Américo, Gonçalves Dias e Carlos Gomes, na Europa.

Ferdinand Wolf avaliou o interesse do Imperador pelas artes: “D. Pedro não se contenta em amar e proteger as ciências e as artes, de reunir em sua Corte sábios e artistas, de os favorecer. Não faz das ciências, das letras e das artes um pedestal de sua ambição. Ele as ama por elas mesmas, e conhece muitos dos seus ramos ele próprio”. Foi, talvez, o único que teve essa elevada e desinteressada preocupação pelas artes, letras e ciências.


A instrução pública, um objetivo primordial da Monarquia

Entre as graves preocupações de D. Pedro II, durante quase meio século de reinado, um dos assuntos que sempre mereceram sua particular atenção foi o desenvolvimento da instrução pública, que ele encontrou imperfeita e mal esboçada, quando em 1840 assumiu as rédeas do governo, e que conseguiu melhorar notavelmente, com o auxílio de alguns de seus ministros mais devotados a esta nobre causa.
O historiador Max Fleiuss fornece os seguintes dados: “Em 1844 havia no Rio de Janeiro apenas 16 escolas públicas e 34 colégios particulares. Em 1860 as escolas públicas são 3.516, com mais de 115.000 alunos. Em 1889, são 300.000 alunos freqüentando 7.500 escolas”.

D. Pedro II tinha tanto interesse pelas escolas e pela educação das crianças, que repetia com freqüência:
— Se eu não fosse imperador, quisera ser mestre-escola.

Terminada a guerra do Paraguai, quis a gratidão nacional levantar ao Imperador uma estátua eqüestre, que chegou a ser modelada em gesso. Abriu-se para isso uma grande subscrição. Quando a iniciativa chegou ao seu conhecimento, D. Pedro recomendou, em carta ao presidente do Conselho de Ministros, que só empregassem seus esforços na aquisição do dinheiro necessário para a construção de edifícios apropriados ao ensino das escolas primárias e para o melhoramento material de outros estabelecimentos de instrução pública. Não queria que a sua figura fosse perpetuada em mármore ou bronze, mas em quatro edifícios consagrados à instrução popular. E concluía a carta:
“Todos os ministros passados e os atuais sabem bem o que eu penso sobre a instrução pública. De há muito venho dizendo que se deve cuidar dela muito seriamente, e que nada me seria mais agradável, agora que se fez triunfar a causa da dignidade nacional, do que ver a nova era de paz e de prosperidade começar por um ato de iniciativa do Brasil, em proveito da educação do povo”.
Foram assim edificadas as escolas do Largo do Machado, da Rua Senador Correia, da Praça XI de Junho e da Rua da Harmonia, no Rio de Janeiro.

Defendendo-se da acusação que alguns lhe faziam, de ir perturbar o trabalho das escolas com as suas visitas, D. Pedro II afirmou:
“Tenho assistido a exames e concursos, sobretudo para conhecer as habilitações individuais. Tenho assim reconhecido, por mim mesmo, muitas inteligências que têm feito figura depois. Rio Branco, lembro, fez exame em minha presença, na antiga Academia Militar. Se vou aos concursos e outras provas literárias ou científicas, é para poder dar minha opinião sobre as provas, assim como conhecer as habilitações individuais. Quantos ministros tenho eu conhecido desde o colégio? O tempo que nisso gasto é para mim quase que mero cumprimento de dever, tendo eu tantos outros estudos ou leituras que preferiria fazer. Tenho ido a conferências e outros atos, porque sempre desejei animar as letras e as ciências”.

O “Le Petit Journal”, por ocasião da morte do Imperador, afirmou: “Pode-se dizer que tudo quanto se fez de generoso no Brasil, de 50 anos para cá, foi inspirado por ele”.


O Imperador incentiva e fiscaliza pessoalmente a instrução pública

Em 1846, D. Pedro II visitou em São Paulo a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. No salão dos atos, ouviu o discurso do diretor, Avelar Brotero, e poesias de alguns estudantes. Voltou depois para assistir aos exames, como sempre gostou de fazer.
José Antonio Saraiva, futuro conselheiro e um dos estudantes de então, escreveu para a família, a propósito dessa visita do Imperador: “É afável com todos, dirige-se a qualquer um, faz-lhe perguntas e procura informar-se das menores particularidades. Tem andado a pé como simples cidadão, só acompanhado daquelas pessoas que o querem acompanhar sem aparato nenhum, e isto sem a menor quebra de sua dignidade, pois sua circunspeção, suas belas maneiras, fazem com que todos o estimem e respeitem. O entusiasmo tem sido grande, e ele está muito contente. É muito vivo, e segundo dizem todos, tem instrução superior à sua idade”.
Um mês depois o Imperador voltou, para apreciar a defesa de tese de dois bacharéis, um dos quais foi reprovado. Datam dessa época as primeiras anedotas sobre a sua severidade como fiscal do ensino. Nunca mais uma congregação de academia se deixaria surpreender pela visita imperial. Passaria a ter o cuidado de preparar os estudantes, prevenir imprevistos.
Aos vinte anos, D. Pedro começou um ofício que desempenharia pelo resto da vida: inspetor geral da educação no Império. Presidia à mesa de examinadores, e às vezes perguntava também. Embaraçava os alunos e espicaçava os professores, com a sua proverbial memória e a sua erudição. Dizia que o ensino devia elevar-se, e dava o exemplo, fiscalizando-o com uma tenacidade inigualável. Insistia para que moralizassem a instrução. E não confiava nas informações oficiais, mas ajuizava com os próprios olhos.

O Imperador visitava assiduamente o Colégio Pedro II, que tinha em grande estima. Fernando Magalhães narrou a impressão que lhe causavam essas visitas: “No Colégio, subitamente, a sineta que batia o toque simples do início da aula, ou o dobrado do fim do recreio, entrava a bimbalhar repetidamente, num aviso de festa. Já se sabia: era a visita de Dom Pedro II. Ele a fazia freqüentemente, corria todas as aulas, subia ao estrado do professor, sentava-se na cadeira ao lado e entrava a questionar os meninos como um mestre-escola cuidadoso e paciente. Tenho na memória a sua lembrança, tanto me impressionou a beleza singular daquele velho plácido e corpulento, um grande corpo que as pernas já vacilavam em carregar, uns olhos que o tempo se comprazia em azular cada vez mais na suavidade, uma fronte larga e polida, barbas brancas de santo, rosto feliz de abnegado, atitude tranqüila de justo, vulto inconfundível de nobre”.

Em 1875, D. Pedro II e D. Teresa Cristina visitam em São Paulo o Seminário N. Sra. da Glória, das Irmãs de São José, sendo provincial Madre Maria Teodora Voiron. Percorrem todas as dependências do educandário, e ao chegar ao dormitório D. Pedro diz aos acompanhantes:
— Essas Irmãs de Caridade são as mesmas em toda a parte. São aqui como no Rio.
— Perdão, Majestade – responde a Madre Superiora –, vosso hospital no Rio é a riqueza. Aqui é a pobreza.
— Tendes o mais belo dos luxos: o asseio – comenta o Imperador.

O diretor da Faculdade de Medicina foi falar ao Imperador sobre o regulamento de ensino. Tal foi a erudição de D. Pedro II, ao discutir os vários assuntos, que o professor comentou depois:
— Ora essa! O Imperador sabe mais Medicina do que eu!


Entre poetas e escritores, o Imperador cria e estimula uma elite intelectual

O Imperador costumava reunir os literatos e os professores do Colégio Pedro II, aos sábados, no salão do externato, para se entreterem em animadas palestras literárias, quando eram lidas as produções inéditas de qualquer dos presentes, às vezes dele próprio.
Numa dessas noites, em que o programa tinha sido particularmente cansativo, o Barão Múcio Teixeira, para evitar de cochilar, pegou um lápis e começou a esboçar a caricatura do Monarca, mas de tal modo que ele não pudesse ver de que se tratava. Terminada a leitura, que o Imperador acompanhara atentamente, voltou-se para o caricaturista e pediu:
— Deixe ver se está parecido comigo.
Sem compreender como ele se inteirara dos seus movimentos, apesar de toda a cautela, o Barão passou-lhe o desenho. O Imperador sorriu, complacente, mostrou a caricatura ao Reitor, e ela foi passando de mão em mão, entre comentários e risadas. Quando completou o percurso, D. Pedro dobrou-a, meteu-a no bolso e disse:
— Gosto mais dos seus versos do que das suas caricaturas. Mas guardo-a como lembrança.

Castro Alves e Fagundes Varela eram com igual atenção recebidos pelo Monarca, diante de quem iam recitar em primeira mão as suas composições poéticas.

Quando Salvador de Mendonça perguntou ao poeta Francisco Otaviano como ia o Imperador, obteve esta resposta:
— Sempre a fazer maus versos e a criticar os bons!

Em 1887, o deputado Joaquim Nabuco pediu ao Imperador permissão para publicar uma de suas peças em verso. Este respondeu:
— Sei muito bem que não sou poeta. Faço versos, de vez em quando, como exercício intelectual, e somente quando não tenho outra coisa a fazer. Isso, porém, não é poesia. Mostro aos amigos íntimos esses trabalhos, mas por nenhum preço eu os queria ver publicados.
D. Pedro II mostrou um dos seus sonetos a Moniz Barreto. O poeta e repentista, depois de lê-lo, comentou:
— Se eu tivesse perpetrado tal crime, Senhor, suicidar-me-ia.
O Imperador, inteiramente despreocupado de ser tido como literato, retrucou sorridente:
— Ora, Senhor Moniz Barreto. Tu te fizeste réu de sandices muito maiores, e ainda estás vivo!

Quando Charles Expilly, autor do célebre livro “Mulheres e Costumes do Brasil”, apresentou-se a D. Pedro II, o Monarca acolheu-o animadamente, dizendo:
— Conheço este nome.
— Talvez seja o de Claude Expilly, comentador de sentenças...
— Não! Não!
— Vossa Majestade quer falar então de Alexandre Expilly, deputado pela Bretanha em 89...
— Charles Expilly! Eis o nome que li assinando vários folhetins e jornais parisienses. É o seu, ou de algum de seus parentes?
— Sou forçado a convir que é bem o meu nome, esse que Vossa Majestade reteve – respondeu Expilly, justamente maravilhado de que um nome tão obscuro na França fosse conhecido do Imperador do Brasil.

Em 1869, trabalhava o Dr. Ramiz Galvão como cirurgião no Hospital Militar, onde atendia alguns doentes vindos do Paraguai. Em visita ao hospital, D. Pedro II perguntou ao cirurgião:
— Que atividades tem exercido?
— Senhor, preparo-me para escrever uma memória sobre o Mosteiro de São Bento, ao qual sou muito grato. Ali encontrei informações preciosas e documentos que contradizem certas afirmações injustas.
— Está bem. Continue. E quando a tiver pronta, apresente-a ao Instituto Histórico.
Concluída a obra, foi entregue ao Instituto, mas um ano depois ainda não havia sido publicada. Encontrando-se casualmente com Ramiz Galvão, o Imperador lhe perguntou:
— E o seu trabalho sobre o Mosteiro de São Bento? Não o levou avante?
— Sim, Senhor. Há longos meses que o entreguei na secretaria do Instituto.
— Como?! Não tenho notícia disso. Vou indagar.
Pouco tempo depois o trabalho era publicado.


Carlos Gomes, Pedro Américo, Vítor Meireles – Os grandes artistas e o bolsinho do Imperador

A despeito de não se incluir entre os soberanos mais aquinhoados pela fortuna, D. Pedro II realizou sacrifícios financeiros por amor à arte e à ciência.
Não limitava a proteção oficial, ou a que ele diretamente concedia, ao período de formação do artista. Nunca perdia de vista o bom artista, amparava-o, dava-lhe empregos, incumbia-o de encomendas e decorações e adquiria-lhe as obras para si ou para a Pinacoteca, por ele fundada e enriquecida.

Da Itália nos vinha o nome glorificado de Carlos Gomes. Graças à pensão que lhe dava pessoalmente o Imperador, conseguira concluir os estudos. Jamais outro compositor brasileiro alcançou o sucesso de “O Guarani”, cuja estréia se deu no Teatro Scala de Milão.

Conversando com o Visconde de Taunay, D. Pedro II comentou a ópera “Schiavo”, de Carlos Gomes, e acrescentou:
— Estou disposto a custear pessoalmente a montagem da peça.
— Repare, Senhor, que serão necessários 40 contos de réis.
— Não! Com a breca, isso não! Não sou tão rico assim. Em todo caso, fale com os empresários e venha entender-se comigo. Podemos contar com o sucesso da obra.

Carlos Gomes declarou:
— Se não fosse o Imperador, eu não seria Carlos Gomes.
Embora aureolado por um nome glorioso, que honrava o Brasil, Carlos Gomes ficara pobre após o 15 de novembro. Fora mantido pessoalmente por D. Pedro II, e a República se recusou a conceder-lhe uma pensão, por ser amigo da Família Imperial. Apesar disso, quando lhe foi feito o convite para compor o hino da República, não aceitou, como nobre homenagem de gratidão ao seu protetor destronado.

Na pintura, dois jovens brasileiros fixavam na tela cenas da nossa história ou fatos heróicos dos nossos soldados. Chamavam-se Vítor Meireles e Pedro Américo.
Vítor Meireles iria dar-nos, sucessivamente, entre outras telas, “Primeira Missa no Brasil”, “Combate de Riachuelo” e “Batalha de Guararapes”. Pedro Américo nos daria outras grandes telas: “Batalha do Avaí”, “Juramento da Princesa Isabel”, “Batalha do Campo Grande” e “Grito do Ipiranga”. Esta última tela fora exposta pela primeira vez em Florença, onde o autor terminava seus estudos de pintura por conta do “bolsinho de Sua Majestade”.

O Imperador conheceu Pedro Américo no Colégio Pedro II. Enquanto ele visitava uma aula de aritmética, o estudante fez um desenho do Monarca, que lhe foi entregue. Perguntado se gostaria de estudar na Academia Nacional de Belas Artes, Pedro Américo ficou encantado com a oportunidade, e logo começou os estudos, às expensas do Imperador. Posteriormente, foi também ele que custeou o prosseguimento dos estudos na Europa.

A arte brasileira, com o desaparecimento do espírito que a nutria, se conserva numa espécie de recolhimento, como que à espera de um novo mecenas, desvelado e magnânimo.


O Imperador cria hábitos de seriedade nas instituições científicas

Um artista lírico, em visita ao País, escreveu: “O Imperador anima, com sua presença, todas as instituições que julga úteis para melhorar o País, e a modesta dotação que lhe é fixada no orçamento é absorvida por obras de caridade. Dom Pedro possui conhecimentos muito amplos. Preside ao Instituto Histórico e Geográfico todas as sextas-feiras, menos por pedantismo do que para estimular os trabalhos relativos ao Brasil”.
Com inquebrantável pontualidade, o Imperador presidia a todas as sessões do Instituto Histórico, devotando-lhe o maior carinho. Como acentuou o diplomata e escritor Vicente Quesada, ele assim procedia para infundir, com o seu alto exemplo, hábitos de seriedade às instituições dessa ordem.

Em setembro de 1880, reunia-se no Rio o Primeiro Congresso Nacional de Medicina. Terminados os trabalhos, e desanimada de obter dos cofres públicos os necessários recursos para impressão dos anais, a comissão organizadora resolveu apelar para o Imperador, que respondeu:
— Como foi por falta de verba que o Governo mandou sustar a publicação dos trabalhos do congresso, não posso eu, primeiro guarda das leis do País, concorrer para fazerem-se despesas não decretadas. Amigo, porém, da ciência e dos progressos de minha terra, terei muito gosto em tomar a mim essa despesa.
No dia seguinte eram dadas as ordens para a impressão dos trabalhos do congresso.

O Dr. Antonio Ennes de Souza venceu um concurso para a cadeira de Mineralogia da Escola Politécnica, assistido pelo Imperador. Depois de nomeado, subiu ao Palácio da Boa Vista para agradecer, e resolveu esclarecer que tinha idéias republicanas. Ouviu este conselho:
— Senhor Ennes, deixe de política. Dedique-se à ciência. O senhor é moço, e tem um vasto campo diante de si.

Em Washington, D. Pedro II foi visitar o observatório. Dado o seu interesse por questões de Astronomia, examinou tudo cuidadosamente. De um modo geral, achou-o bem montado. Mas o regulador elétrico da hora, a que correspondiam quatro relógios da cidade, não lhe pareceu tão perfeito quanto o do observatório do Rio de Janeiro. Achou o cosmógrafo colocado sem a necessária estabilidade, e o relógio standard, para observações, mal colocado.
Mostraram-lhe depois o “grande relógio”, que registrava observações astronômicas por meio de eletricidade, e fora o primeiro do gênero. Estava parado, e ninguém sabia consertá-lo. O astrônomo Newcomb, que acompanhava o Imperador, ficou assombrado quando viu D. Pedro passar uma mão por baixo do móvel e começar a examinar pacientemente a base que suportava o relógio. Feito isso, demonstrou-se admirado de que estivessem usando um aparelho desnivelado como aquele. Verificou-se depois que esse era o único defeito, que impedia o aparelho de funcionar.


O Instituto Pasteur demonstra sua gratidão ao Imperador

Na Academia das Ciências, em Paris, o Imperador foi ouvir de Pasteur a exposição dos resultados das suas experiências. Para encerrar a sessão, o grande cientista saudou a presença de D. Pedro com as seguintes palavras:
— Nosso augusto colega Dom Pedro de Alcântara, que, como todos sabem, gosta de esconder seu cetro imperial sob as condecorações acadêmicas que recebe do mundo inteiro.

Dom Pedro II foi um dos primeiros grandes admiradores de Pasteur, dos que acreditaram no valor dos seus trabalhos e deram apoio às suas famosas experiências. Várias vezes tentou induzir o grande cientista a vir prosseguir seus estudos no Brasil, não precisamente sobre a raiva ou o cólera, mas sobre um mal que dizimava então entre nós milhares de criaturas por ano: a febre amarela. O Imperador estava persuadido, apesar da completa ignorância que se tinha então sobre a origem dessa moléstia, de que Pasteur podia bem isolar-lhe o bacilo, descobrindo depois uma vacina eficaz. A esse propósito, escreveu a Pasteur:
“Encontrareis aqui culturas feitas com o maior cuidado para o exame dessa questão, e ainda que não pudéssemos vos ser reconhecidos pela descoberta da vacina dessa moléstia, vossa visita ao meu país será um acontecimento que terá a maior influência sobre o progresso científico do Brasil. Meus sentimentos por vós e meu amor à ciência vos são bem conhecidos, e desde já me alegro de vos acolher aqui como mereceis, não fazendo com isso senão acompanhar o sentimento de todo o meu país. Vossos estudos sobre a raiva não seriam abandonados senão por pouco tempo, e o serviço prestado à humanidade, preservando-a da febre amarela, seria pelo menos de idêntico alcance”.
Todas as tentativas foram vãs. Pasteur não pôde atender aos desejos do Imperador: “Depois de muitas reflexões e hesitações, devo render-me aos conselhos de meus médicos: tenho a profunda tristeza de não poder aceitar o oferecimento de Vossa Majestade”.

D. Pedro II nunca foi esquecido no Instituto Pasteur. Por volta de 1900, dez jovens médicos brasileiros recém-formados foram designados para seguir os cursos no Instituto. Chegando a Paris, apresentaram-se ao secretário, que lhes informou:
— Muito tarde, senhores. O registro de inscrições já está fechado. Havia apenas cem vagas, e todas já foram preenchidas.
Um dos médicos, Afrânio Peixoto, não desistiu, e resolveu procurar o próprio diretor do Instituto, em nome dos colegas. O Professor Roux recebeu-o sem delongas, e logo perguntou:
— Então o senhor é brasileiro?
— Sim, senhor.
— Bem, deve reconhecer este personagem – e indicou com a mão um busto de mármore branco.
— É o nosso Imperador, D. Pedro II!
— Sim, senhor. Dom Pedro, Imperador do Brasil. Talvez não saiba que, quando meu mestre Pasteur não tinha ainda conseguido vencer todas as hesitações, todas as dúvidas, foi vosso Imperador, seu amigo, quem lhe trouxe os primeiros cem mil francos necessários à fundação deste Instituto. Como é, então, que nesta casa não haverá sempre lugar para brasileiros? Não quero, naturalmente, prejudicar os estudantes já admitidos, mas este ano, como grande exceção, mandaremos colocar mais um banco na sala do curso, e teremos cento e dez ouvintes, em vez dos cem habituais.


Nosso Imperador, promovendo o desenvolvimento material do País

Sob o ponto de vista do progresso e do desenvolvimento material do País, o Império não foi o atraso e a estagnação de que ainda hoje é acusado pelos que não se querem dar ao trabalho de estudar e conhecer melhor esse período da nossa História. Na verdade o Brasil era, de fato e de direito, a primeira nação da América Latina. Essa hegemonia, ele iria conservar até o último dia da Monarquia.

Foi das mãos de D. Pedro II que o Brasil saiu apto a enfrentar as dificuldades políticas do continente e do século: pacificado e unificado pelo Imperador, o Brasil se impôs ao respeito internacional, disseminou a instrução, consolidou a linha de suas fronteiras, estabilizou a moeda, bateu-se vitoriosamente nas guerras que lhe foram impostas, tratou de igual para igual as maiores potências, não reconheceu hegemonias no hemisfério, construiu a terceira esquadra do mundo. Apoiado em dois grandes partidos nacionais, praticou o parlamentarismo. Criou uma elite intelectual, moral, social e política, foi um fecundíssimo viveiro de valores humanos, aboliu o tráfico e a escravidão, insuflou as nossas maiores riquezas econômicas, aparelhou a indústria, construiu uma enorme rede de comunicações rodoviárias e ferroviárias, ligou-nos à Europa pelo cabo telegráfico, o telefone, a tração a vapor, impulsionou as ciências e as letras, conheceu intimamente aquilo que Cícero preconizava como a suprema ventura dos povos: o gozo tranqüilo da liberdade.

Em 1874, o irlandês Hamilton Lindsay-Bucknall veio ao Brasil, com a equipe encarregada de instalar o primeiro cabo submarino no País. Posteriormente escreveu um livro narrando a sua viagem, no qual contam as seguintes referências:
“O navio cabográfico Hooper finalmente colocou em terra, sã e salva, a extremidade do primeiro cabo submarino no Brasil. E o bom Imperador Dom Pedro II poderia ser visto nessa ocasião, ajudando nobremente a puxar aquele cabo que em pouco tempo colocaria seu grande Império em comunicação direta com o resto do mundo civilizado. Que esplêndido exemplo nos fora dado pelo grande e sábio Dom Pedro II, Imperador do Brasil, não só se interessando pessoalmente pela instalação do cabo submarino, mas também dando uma mão para puxá-lo para a praia!
Logo depois da amarração da extremidade do cabo submarino à terra, foram recebidas mensagens congratulatórias transmitidas ao Imperador pelos governadores do Pará, Pernambuco e Bahia. Os telegramas para o Imperador me foram confiados para entrega. Ao chegar ao palácio, fui conduzido sem cerimônia à presença de Sua Majestade Imperial. O Imperador, que estava sentado na varanda apreciando uma xícara de café, em companhia de diversos visitantes, levantou-se para receber-me e apertar-me a mão. O conteúdo dos telegramas pareceu satisfazê-lo muito e, a seu pedido, sentei-me ao lado. Fez-me então muitas perguntas sobre o cabo submarino, a respeito do qual parecia estar profundamente interessado. E não podia haver dúvida, pela natureza de suas perguntas e pelo conhecimento de eletricidade que demonstrava, de que não se tratava de um novato naquela ciência. Prontamente verifiquei o acerto dos que o diziam um dos mais inteligentes e altamente dotados dos soberanos reinantes. Permaneci em sua companhia por algum tempo, durante o qual nossa conversa convergiu para diversos tópicos. Senti-me tomado de profundo respeito por aquele sábio homem que rege os destinos de um dos mais admiráveis impérios do mundo”.

Estava em andamento a construção da estrada de ferro para a subida da Serra do Mar, e discutia-se qual o sistema a ser adotado. Havia pouca experiência no assunto, e predominava a opinião dos técnicos ingleses, que eram os concessionários. Cristiano Otoni defendia a outra solução. Em reunião do Conselho de Estado, que decidiria o assunto, o Imperador determinou:
— Ouçamos antes o Sr. Otoni.
E assim se evitou o erro da construção pelo sistema inglês.

Em visita à exposição de Filadélfia, em 1876, o Imperador passou pelo stand de Graham Bell, que a duras penas conseguira inventar e expor ali o protótipo do telefone. Pouca atenção atraíra o seu stand. Bertita Harding narra o encontro:
“Ajustando inúmeras bobinas, eletrodos e discos de metal, Bell preparava-se para demonstrar a invenção. Por fim anunciou:
— Dei a isto o nome de telefone.
Estendeu ao Imperador um objeto em forma de taça, pedindo-lhe que o conservasse pegado ao ouvido. Afastou-se depois a razoável distância, e falou para o outro objeto de forma similar, que levava nas mãos, enquanto os espectadores, de pé, observavam-no com mal dissimulada incredulidade. De repente, D. Pedro deu um pulo”:
— My God! It speaks!
— “Sim – respondeu pelo fio a voz de Bell –, isto fala. Não tardará muito para que o telefone seja uma necessidade em todas as casas.
Os olhos de D. Pedro brilhavam de admiração e surpresa:
— Meus parabéns, Sr. Bell! Quando a sua invenção for posta no mercado, o Brasil será o seu primeiro freguês”.
E cumpriu a palavra. Bell recebeu encomendas do Rio muito antes que o telefone fosse comercialmente explorado. Foi Dom Pedro, graças à sua incansável curiosidade científica, que pôs em relevo e valorizou a descoberta do jovem professor de Boston. O telefone ficou sendo uma das sensações da exposição, e quando ele se tornou um produto comercial, o Imperador foi dos primeiros a utilizá-lo na prática.

***

Visite agora os sites:
www.fatoshistoricos.com.br
www.mundodanobreza.com.br

29.5.08

07 - A ESCRAVIDÃO - EXTINGUINDO UMA HERANÇA INGRATA

Abolir a escravidão, desejo ardente do Imperador

A Princesa Isabel, ao abolir a escravidão, era a intérprete dos sentimentos do seu pai.
O literato e diplomata argentino Hector Varela ouviu do Imperador:
— A escravidão! Acredita o senhor que haja no Brasil algum compatriota que deseje mais ardentemente do que eu a abolição? Nenhum! E os primeiros a saber como eu penso são os que trabalham à frente do belo movimento de emancipação. Alguns me atacam, com marcada injustiça, afirmando que eu retardo a hora, que no entanto será a mais feliz do meu reinado, em que não haja um só escravo em minha Pátria, e que o último desses infelizes seja tão livre quanto eu.

A ação do Imperador para promover e preparar a liberdade dos escravos não podia deixar de ser lenta, e só poderia ser eficaz se fosse constante. Ele precisava convencer os homens políticos e atrair o concurso da Nação. Percebe-se hoje que nesse trabalho as interrupções não foram senão aparentes, mas, para chegar aos resultados, ele não quebrou os moldes que a Constituição lhe traçara.

Em 1850, quando se discutia a lei de repressão do tráfico de escravos, e se mostrava ao Imperador os perigos a que a lei exporia o trono, D. Pedro II, então com 25 anos, replicou com energia:
— Prefiro perder a coroa a tolerar a continuação do tráfico de escravos.

Em 1870, durante uma reunião do Imperador com o Conselho de Ministros, o Barão de Cotegipe argumentava:
— A questão da emancipação é semelhante à pedra que rola da montanha. Nós não a devemos precipitar, porque seremos esmagados.
— Não duvidarei de me expor à queda da pedra, ainda que seja esmagado – replicou D. Pedro II.

Durante a viagem à Europa, em 1871, D. Pedro II disse ao Visconde Nogueira da Gama:
— Nunca deixei de ser grato à sua avó pela delicadeza com que, em fevereiro de 1845, hospedou-me em sua fazenda de S. Mateus. Principalmente por ter festejado a minha chegada libertando, nesse mesmo dia, uma família que era sua escrava. Pois ninguém melhor do que o senhor conhece quais foram sempre os meus sentimentos a respeito da escravidão.

Votava-se no Senado a Lei do Ventre Livre, a 28 de setembro de 1871. Nas galerias repletas, apareciam as figuras mais eminentes do mundo diplomático. A discussão do projeto foi brilhante e vigorosa, sob a presidência do Visconde de Abaeté. Quando se verificou, pela votação, a vitória do Visconde do Rio Branco, que defendera a aprovação da lei, o povo que enchia as galerias irrompeu em manifestações ao grande estadista, lançando-lhe sobre a cabeça braçadas e braçadas de flores.
Terminada a sessão, o embaixador dos Estados Unidos, James Rudolph Partridge, desceu ao recinto para felicitar o presidente do Conselho e os senadores que haviam votado o projeto. Colhendo algumas flores, das que o povo atirara a Rio Branco, declarou:
— Vou mandar estas flores ao meu país, para mostrar como aqui se fez, deste modo, uma lei que lá custou tanto sangue!

Foi em Alexandria, no Egito, que D. Pedro II soube que em seu vasto Império, a partir de 28 de setembro de 1871, todas as crianças nasceriam livres. O Visconde de Itaúna, camarista de D. Pedro, anotou em uma carta:
— Eu nunca vi o Imperador tão satisfeito.


A ação abolicionista do Imperador: constante e imensa

O Imperador foi o emancipacionista mais pertinaz e mais constante que o Brasil possuiu. Foi abolicionista tanto quanto pode ser um rei compenetrado da sua missão de chefe de Estado, incompatível com a de chefe de partido, por mais simpático que seja o seu programa. Consagrou ao abolicionismo uma atividade de herói, incompatibilizando-se com os políticos, atraindo antipatias e, por fim, sacrificando-lhe a coroa.

Joaquim Nabuco, após as lutas abolicionistas, avaliou a ação do Imperador no processo de emancipação dos escravos: “É certo que a ação pessoal do Imperador se exerceu principalmente, desde 1845 até 1850, no sentido da supressão do tráfico, e desde 1866 até 1871, em favor da emancipação dos filhos nascidos de mulher escrava. A parte que tocou ao Imperador, em tudo o que foi feito em prol da libertação, foi imensa, foi essencial”.

Em 1840, o Imperador libertou todos os escravos que herdara. Além disso, tomou emprestada a quantia de sessenta contos de réis, que entregou ao seu mordomo para comprar anonimamente um lote de escravos. Em seguida libertou-os e os empregou no serviço da imperial quinta de Santa Cruz, dando-lhes salário mensal, assistência médica e educação dos filhos.
O Imperador tinha o usufruto de alguns cativos chamados “escravos da coroa”, dos quais não podia dispor livremente, por não serem de sua propriedade particular. Porém sempre os considerou como seus protegidos. Eles recebiam salário mensal, e os filhos freqüentavam a escola que fundara para os empregados da imperial quinta de São Cristóvão.
Durante a guerra do Paraguai, favoreceu a libertação dos escravos que quisessem tomar armas. Na fazenda de Santa Cruz, encarregou-se da educação dos filhos dos libertos que partiram para a guerra, e libertou às suas custas as mulheres e filhos desses defensores da Pátria.

Zacarias de Góis e Vasconcelos, presidente do Gabinete em 1864, recebeu de D. Pedro II estas instruções: “A medida que me tem parecido profícua é a liberdade dos filhos dos escravos, que nascerem daqui a um certo número de anos. Tenho refletido sobre o modo de executar a medida, porém é da ordem das que cumpre realizar com firmeza, conforme as circunstâncias o permitirem, remediando os males que ela necessariamente originará”.

Em 1886, visitando D. Pedro II a província de São Paulo, e vendo em uma cadeia um escravo, disse-lhe:
— Espere, meu preto, tenha paciência, que eu vou tratar já da sua liberdade.
Voltou-se então para o presidente da Câmara Municipal, que o acompanhava, e acrescentou:
— Faça um requerimento em nome desse infeliz, dizendo que tem a quantia necessária para a sua alforria.
Vendo porém que o vereador continuava a acompanhá-lo, exclamou:
— Ande, que eu tenho pressa, e não quero sair daqui sem ver isso feito.
E mandou o mordomo remeter ao possuidor daquele escravo a quantia necessária para libertá-lo.

Em uma das suas audiências do sábado, em que atendia a toda a gente, recebeu D. Pedro II no Paço da Boa Vista um preto velho, que se queixava dos maus tratos de que era vítima:
— Ah, meu Senhor grande, como é duro ser escravo!
— Tenha paciência, meu filho. Eu também sou escravo das minhas obrigações, e elas são muito pesadas. As tuas desgraças vão diminuir.
E mandou alforriar o preto.

Em 1866, em visita à cidade de Lorena, em São Paulo, o Imperador foi convidado a entregar a dois escravos as suas cartas de alforria, e comentou na ocasião:
— Nada me poderia ser mais agradável, para comemorar a minha visita, do que conceder liberdade a cativos.
Em Campinas, ao acabar de emancipar um escravo, o Imperador, com surpresa para todos, apertou a mão do negro e encorajou-o com sua palavra amiga.

Visitando a cadeia de Taubaté, viu o Imperador um alçapão, cautelosamente fechado com antecedência, e indagou o que havia lá embaixo. Ao saber que nesse antro se encontravam cinco escravos, por ordem dos respectivos senhores, desceu e ali encontrou uns miseráveis pretos, que eram “atrevidos e incorrigíveis”, segundo a explicação do inconsciente carcereiro.
A cadeia era no pavimento térreo do edifício da Câmara Municipal, e o Imperador logo perguntou ao respectivo presidente se achava que o possuidor de escravos devia ser auxiliado pelas autoridades em corrigir fora de casa esses infelizes. E acrescentou:
— Entendo que o senhor de escravos não pode castigá-los fora de sua casa.
O episódio foi divulgado por um jornalista que o acompanhava. Durante todo o resto da viagem, o Imperador alegrou-se por não encontrar mais nenhum negro naquelas condições, provavelmente como resultado da sua intervenção.


Premiando os libertadores de escravos, o Imperador incentiva o processo de abolição

Na cidade de Ponta Grossa, por ocasião de sua viagem ao Paraná, foi D. Pedro II recebido por um cidadão, que o cativou por sua hospedagem fidalga, mas despida das exigências protocolares. Após o almoço, no dia da partida, o anfitrião disse:
— Senhor Imperador, eu podia ter feito mais alguma coisa. Podia ter matado mais uma vitela, mais um peru, mas preferi assinalar por outro modo a vossa passagem por esta terra e a honra de vir a esta vossa casa. Libertei todos os meus escravos, que são mais de setenta, e peço a Vossa Majestade o favor de lhes entregar as cartas de liberdade.
Essa alocução tão simples quanto eloqüente emocionou profundamente o Monarca, que agradeceu o gesto de benemerência do digno paranaense. Por ocasião das graças, o Governo levou ao Imperador o decreto fazendo-o oficial da Ordem da Rosa. Ao apresentarem-lhe o decreto, disse o Monarca ao ministro do Império:
— Isto é pouco para esse benemérito. Faça-o barão!
— Mas, Majestade, ele é quase analfabeto!
— Não será o primeiro. E este é muito digno. Mande-me o decreto fazendo-o Barão dos Campos Gerais.

Quando a Ordem dos Beneditinos, em 1866, proclamou a liberdade dos filhos de seus escravos, o Imperador foi pessoalmente ao Mosteiro de São Bento felicitar o Abade Geral, a quem entregou em mão própria uma condecoração.

D. Pedro II tinha uma antipatia visceral contra os que se haviam envolvido no degradante tráfico de negros. A condescendência que sobre isso tiveram alguns políticos, mesmo aqueles tidos então ou posteriormente como abolicionistas, ele nunca a teve. Joaquim Nabuco diz que, se não fosse o Imperador, os piores traficantes de escravos teriam sido feitos condes e marqueses do Império. Pereira Marinho, por exemplo, tornou-se opulento às custas do tráfico. Depois de deixá-lo, envidou todos os esforços para obter uma condecoração, um título, uma fita. O Imperador nunca transigiu. Afinal Pereira Marinho conseguiu fazer-se conde, mas em Portugal.

Quando foi promulgada a Lei Áurea, Dom Pedro II se encontrava em Milão, gravemente enfermo. Fora atacado de uma pleurisia, complicada com febre palustre. Os médicos aconselharam a ocultar do paciente as notícias que chegavam do Rio diariamente.
A 22 de maio os médicos perderam as esperanças de salvá-lo, e declararam à Imperatriz que chegara o momento de chamar o sacerdote. O Arcebispo de Milão assistiu D. Pedro II, que após a confissão recebeu os últimos sacramentos da Igreja Católica. Ele estava de tal modo enfraquecido, que mal podia falar. A Imperatriz achou conveniente, então, informá-lo da grande notícia recebida no dia 13. Imediatamente seu olhar se reanimou.
— Não há então mais escravos no Brasil?
— Não. Votou-se a lei em 13 de maio. A escravidão foi abolida.
— Rendamos graças a Deus! Telegrafem imediatamente à Isabel, enviando-lhe a minha bênção com os meus agradecimentos à Nação e às Câmaras.
Depois, voltou-se ligeiramente. Os que o cercavam julgaram que estivesse moribundo. Mas seu patriotismo deu-lhe forças para pronunciar estas tocantes palavras:
— Grande povo! Grande povo!...
E correram lágrimas de seus olhos.
A alegria profunda que sentiu, ao saber que todos os seus súditos seriam livres para o futuro, produziu em todo o seu ser uma comoção eficaz e salutar. Desde então se acentuaram as melhoras. Aos poucos desapareceu o perigo, e ele não tardou a restabelecer-se.

Quando D. Pedro II chegou de sua viagem à Europa, após a Lei Áurea, o Conselheiro João Alfredo, presidente do Gabinete, apresentou-lhe o texto da “Fala do Trono”, que o Imperador deveria ler diante das Câmaras. No tópico em que se aludia à lei de 13 de maio, intercalou Sua Majestade, com a própria letra, estas palavras significativas: “...cuja decretação tanto me consolou das saudades da Pátria, minorando os meus sofrimentos físicos”.
Assistindo à leitura destas palavras, a Princesa Isabel acolheu-as como o único elemento de tranqüilidade que lhe faltava:
— Fico muito contente que a lei de 13 de maio tenha tido esta última sanção.

***

Visite agora os sites:
http://www.fatoshistoricos.com.br/
http://www.mundodanobreza.com.br/

06 - A CARIDADE NO TRONO BRASILEIRO

A Família Imperial utiliza grande parte da dotação para obras de caridade

Os pedidos de esmolas à Família Imperial eram constantes e numerosos. Muitos solicitantes não reapareciam na varanda de São Cristóvão, porque tinham ordem de ir direto à Mordomia, onde eram atendidos. Eram os pensionistas do “imperial bolsinho”. A Imperatriz tinha a fama de nunca deixar um pedido sem a sua esmola. Deduzidas as despesas da casa, que não eram grandes, todo o resto da dotação se escoava dessa maneira. Quando precisou de dinheiro para socorrer o irmão, a Imperatriz teve de recorrer a um empréstimo.

Na sua meninice, D. Pedro II foi sempre uma criança dócil, pacata, extremosa e de costumes exemplares. Aquelas virtudes de bondade, que foram as virtudes maiores do Monarca, revelou-as desde pequenino. Ainda de calças curtas, na sua extrema infância, quando saía a passeio, fazia questão de que lhe dessem muito dinheiro em moedas de prata. Ao voltar, trazia sempre os bolsinhos vazios. O dinheiro, distribuía-o todo aos soldados e aos pobres pelas ruas. Nunca lhe sobrava um vintém da mesada de 12 mil réis, que recebia do Tesouro da Casa Imperial.

Quando o Imperador voltou ao Brasil em 1877, grandes festejos tinham sido planejados para a sua chegada. Mas a satisfação de retornar ao lar foi diminuída pelas más notícias do Ceará, onde a fome rugia após prolongada seca. Dom Pedro cancelou as celebrações oficiais, dizendo que os fundos reservados para esse fim deviam ser empregados no trabalho de alívio aos flagelados. Apesar dos grandes gastos que tivera na viagem, ele destinou parte da sua dotação para a mesma finalidade. Durante uma reunião do Gabinete, o ministro da Fazenda informou:
— Majestade, não temos mais condições de socorrer o Ceará. Não há mais dinheiro no Tesouro.
O Imperador baixou a cabeça durante alguns instantes, e depois disse com firmeza:
— Se não há mais dinheiro, vamos vender as jóias da Coroa. Não quero que um só cearense morra de fome por falta de recursos.

No verão de 1855, percorreu o mundo uma epidemia de cólera-morbus, irrompendo no Rio com grande violência. O pânico logo se apoderou das famílias, que fugiram apavoradas para o interior, para as fazendas, para as casas dos amigos, para as cidades mais próximas do Rio. A fim de trazer a calma à capital, o Imperador resolveu conservar-se com a família em São Cristóvão, adiando a sua habitual subida para Petrópolis. Comentando os fatos, afirmou na ocasião o “Jornal do Comércio”:
“Os fluminenses viram com bem explicável susto, mas ao mesmo tempo com ufania, o Imperador permanecer impávido e firme, nos dias mais terríveis da epidemia, em São Cristóvão, um dos pontos mais fulminados pela peste. Viram-no conservar-se sempre na sua capital, no meio do teatro da desolação. Mais que tudo isso, viram o Imperador sair do seu palácio e fazer parar o seu carro à porta dos hospitais, e penetrando nesses focos de epidemia, aproximar-se dos leitos dos coléricos, falar a todos eles, robustecer a coragem dos fortes, inspirar valor e ânimo aos fracos e encher de esperanças, de fé e de gratidão os corações dos míseros doentes. A cada grito de alarma, respondia de pronto uma providência diligente e proveitosa”.
Com uma atividade desdobrada, mostrou-se incansável nas visitas aos hospitais, na assistência aos coléricos, nas providências de toda sorte que podiam minorar ou fazer cessar os padecimentos dos doentes.
De seu bolso particular, deu cerca de quinze contos de réis para a assistência aos necessitados. Acompanhavam-no várias senhoras da corte, que ajudavam a Imperatriz na instalação de hospitais, na confecção de roupas, na distribuição de alimentos e em outras obras de assistência.

Reconhecendo os inúmeros benefícios custeados pela Família Imperial, o Governo Provisório decretou após a proclamação da República: “Os necessitados, enfermos, viúvas e órfãos pensionados pelo Imperador deposto continuarão a perceber o mesmo subsídio, enquanto durar a respeito de cada um a indigência, a moléstia, a viuvez ou a menoridade em que se acham”.


Se o Imperador pudesse, os voluntários da Pátria não teriam do que se queixar

Ninguém prezou os combatentes da guerra do Paraguai mais do que o Imperador. Não sabia só a história da guerra, conhecia também a biografia do soldado. E o seu grande coração foi sempre tão fiel quanto a sua extraordinária memória. A maior garantia de quem lhe pedia favor ou justiça era a alegação de que fora voluntário. Para estes, estabeleceu certos e determinados empregos. E, nestes casos, a melhor carta de recomendação era a fé de ofício; a cicatriz, o mais valioso empenho.

Passeando a pé no Largo do Paço, o Imperador encontrou um velho mendigo negro, que lhe estendeu a mão. O homem lamentava-se:
— Quem pede é um servidor da Pátria! Derramei sangue no Paraguai, e o Governo me deixa na miséria.
O preto não conhecia D. Pedro, que se aproximou e perguntou-lhe:
— Você foi voluntário da Pátria?
— Sim, senhor. Podeis comprová-lo por estas feridas. Mas o Governo não se incomoda com isso.
— E você acharia o Imperador capaz de deixar ao desamparo os servidores da Pátria?
— Se o senhor pergunta isso, é porque não conhece o nosso Imperador. Ele é homem de grande coração. Se ele pudesse, todos nós, que estivemos no Paraguai, não teríamos do que nos queixar.
Dom Pedro deixou uma moeda nas mãos do preto e afastou-se. No dia seguinte mandou acomodá-lo em um dos quartos da criadagem do Palácio, onde ele permaneceu até morrer.

Foi na viagem de regresso ao Rio de Janeiro que sucedeu ao filho do capitão Gomes Carneiro o desastre que aproximou do Imperador o futuro general.
A bordo do “Manaus”, na ocasião do desembarque diante do Arsenal de Guerra, uma criança corria pelo convés. Era o momento em que a corrente do leme, com um estertor de ferro desembrulhado, trepidava, sacudida pela manobra. Um grito lancinante horrorizou os passageiros. Carneiro precipitou-se em procura do filho de três anos. E o oficial, que não pestanejara no brejal de Estero Bellaco e em outras batalhas na Guerra do Paraguai, cambaleou defronte do seu pequenino Mário, cujas pernas a engrenagem esmagara. Um colega de armas, o capitão Pego Júnior, levantou nos braços o menino arquejante. As pernas, trituradas, pendiam-lhe do corpinho tenro, como dois trapos sangrentos. Carneiro atirou-se a uma lancha, com o amigo, para levar à Santa Casa, ali perto, o filho inanimado.
Os cirurgiões mais ilustres se reuniram, deliberaram e executaram a operação. A administração do hospital teve ordem de reservar o melhor aposento e destacar os melhores enfermeiros para o entezinho mortalmente mutilado. Carneiro não indagou da procedência daquela ordem. Ficou à cabeceira de Mário, recolhendo-lhe um por um os gemidos, na ternura de sua vigília. No dia imediato, a porta se abriu para um homem corpulento e alto, cuja barba de neve dava à face corada e lisa um ar jovial de velhice bondosa. Carneiro perfilou-se, fazendo soar os calcanhares. Os seus olhos pardos reconheceram o visitante. O Brasil todo o reconheceria.
— Majestade...
O Imperador debruçou-se sobre o menino, passou-lhe pela testa lívida a mão de Habsburgo, afagou-lhe o rosto febril e sussurrou uma frase compassiva. Encarou depois o capitão, e disse-lhe:
— A saúde deste menino me interessa. Quero dar-lhe os aparelhos com que há de andar. Faço questão de custear-lhe todo o tratamento. Não me agradeça... Já sei. O senhor é um soldado de Uruguaiana e de Itororó. Bem... Voltarei para rever o menino.
E baixou os olhos da face pálida do capitão Gomes Carneiro, molhada pelas lágrimas que silenciosamente corriam.


Mesmo com sacrifícios pessoais, a ajuda imperial a quem precisa

Luiz Fignier dirigiu-se a D. Pedro II, pedindo-lhe auxílio para editar um dos seus últimos trabalhos de divulgação. Saindo da audiência, foi o Imperador entender-se com o tesoureiro da Casa Imperial, que lhe informou serem escassos os recursos, tornando-se impossível atender o pedido.
— Não faz mal. Comprimiremos as nossas despesas. O Fignier, coitado, precisa ser ajudado.
D. Pedro não sabia negar em tais casos.

No exílio, D. Pedro II teve notícia da morte do escritor Alphonse Karr, seu amigo. Logo depois, o jornal anunciava o leilão de sua biblioteca. Chamou então o seu médico Mota Maia, e perguntou:
— Quanto pode custar essa biblioteca? O Karr não era um erudito, nem um bibliófilo. Deve ser uma biblioteca escolhida e modesta. Quero adquiri-la.
As finanças do Imperador, no momento, estavam precárias, mas Mota Maia não podia assustá-lo, por causa da doença. Foi para Nice, arrematou a biblioteca por 8 mil francos e entregou-a à viúva de Alphonse Karr, pois esta era a intenção evidente de D. Pedro. Em agradecimento, a viúva ofereceu ao seu benfeitor uma bela coleção de obras de Santa Tereza de Jesus, com o que também homenageava a Imperatriz Teresa Cristina, falecida havia pouco.

Em Cannes, meses após a morte de D. Teresa Cristina, o ex-Imperador enlutado lia sentado junto a uma larga mesa atulhada de livros e jornais. O Conde de Mota Maia entrou e anunciou:
— Senhor, uma boa notícia do Brasil.
— Boa notícia do Brasil?... Diga depressa.
— Recebi uma ordem, mediante a qual será entregue a Vossa Majestade certa quantia. É a primeira que de lá vem, e chega muito a propósito.
Abrindo uma gaveta, D. Pedro tirou volumoso maço de papéis, contendo pedidos de esmolas, auxílios, subvenções. Ato contínuo, tomando um lápis, pôs-se a despachá-los, destinando 100 francos para uma, 500 francos para outra, e assim por diante.
Quando o Imperador acabou, o Conde empunhou um lápis e somou os números anotados por D. Pedro:
— Cinco mil e trezentos francos.
— Pouca coisa.
— Mas a ordem do Brasil representa apenas quatro mil.
— Devolva-me então os papéis, que retificarei os números.
— Mas Vossa Majestade não se recorda de que estamos quase sem recursos, devendo ao hotel, e constrangidos a fazer economias?
— Já sei, já sei! Mas ignorava que não pudesse atender a alguns pobres que me estendem a mão.
— Não pode, meu Senhor, não pode. Perdoe-me que o declare com franqueza: Vossa Majestade está obrigado a coibir-se nas esmolas. Nossa situação não é favorável, é má. Há de melhorar, acredito. Mas, por ora, cumpre-nos cortar as despesas não imprescindíveis. O dinheiro enviado do Brasil amortizará apenas a conta do hotel.
D. Pedro levantou-se lentamente e começou a passear pelo aposento. Por fim, soltou um suspiro, sentou-se e retomou o livro:
— Vá, Sr. Mota Maia. Receba o dinheiro e salde as nossas contas. Se, por acaso, sobrar alguma coisa, execute os despachos possíveis... Os mais módicos... Os dos mais necessitados.


Os benefícios do Imperador não são meros contratos interesseiros

Após o golpe de 15 de novembro, quando a Família Imperial já estava a bordo para a viagem ao exílio, começaram a chegar os jornais do dia. Lendo o nome de um dos revolucionários, que recebera grandes benefícios do Imperador, D. Teresa Cristina desabafou:
— Fulano! Quem diria!
Sereno e imperturbável, o Imperador respondeu:
— Senhora, se quando fazemos um benefício fosse já contando com a gratidão do beneficiado, então o ato perderia a sua nota principal, passando a ser um contrato interesseiro.

Viajando pelo interior do País, numa região onde não havia estalagens, o Imperador hospedou-se na casa de um homem bom, muito estimado, mas cujos negócios corriam mal. Era obrigado a pagar uma grande quantia, mas estava completamente impossibilitado. Uma pessoa desconhecida do proprietário deu esta informação ao Imperador. Quando ele partiu, deixou o recibo devidamente quitado e assinado pelo credor, numa gaveta da cômoda do quarto que ocupara. Ao se despedir, avisou:
— O senhor se esqueceu de trancar um papel importante que eu vi na gaveta da mesa do meu quarto. Cuidado para não perdê-lo.

Publicava-se no Rio de Janeiro uma folha diária intitulada “A República”, no decênio de 1870, sob a direção política de Salvador de Mendonça, ardoroso propagandista contrário à Monarquia. Falecendo a esposa deste, em ocasião de dificuldades materiais daquela empresa jornalística, nenhum dos seus amigos e companheiros de redação podia auxiliá-lo com a quantia necessária para as despesas do enterro. O Imperador ordenou ao seu mordomo que, com o maior sigilo, fizesse imediatamente chegar às mãos do jornalista a quantia de dois contos de réis, para as cerimônias fúnebres.
Por mais persistentes que fossem as indagações do interessado, jamais lhe passou pela cabeça o nome do seu real benfeitor. Tanto assim que ele continuou a atacar o Império e o seu Imperador. Algum tempo depois, quando já ninguém mais se lembrava disso, o beneficiado soube da verdade. Correu à Quinta de São Cristóvão, para agradecer a generosidade do Imperador. Vendo a inutilidade de negar a autoria do benefício, D. Pedro manifestou a sua simpatia, dizendo ao jornalista que poderia contar com o seu auxílio sempre que se visse em dificuldades de ordem material. O jornalista declarou então que fizera o propósito de nunca mais escrever uma linha sobre assuntos políticos, desde o momento em que tomara conhecimento do nome do seu magnânimo protetor.

Um professor acadêmico foi procurar o Imperador, dizendo-se sob a dolorosa ameaça de penhora, e pediu-lhe 5 contos de réis, a fim de evitar esse vexame. Foi atendido.
No dia seguinte, por ocasião da estréia de uma famosa companhia lírica, foi visto o dito professor, com toda a família, ocupando uma frisa bem em frente ao camarote imperial. Nogueira da Gama, mordomo do Imperador, várias vezes tocou no assunto, e não conseguiu ouvir dele sequer uma queixa.

Um repórter que participava de associações abolicionistas pediu ao Imperador uma quantia para libertar escravos. Foi dada a ordem para lhe ser entregue a quantia, sem precisar de recibo, mas a mordomo preferiu documentar-se.
Posteriormente, em uma discussão pela imprensa, o tal repórter declarou nunca ter ido ao Palácio, nem ter precisado do Imperador. No dia seguinte, um jornal publicava uma cópia autêntica do recibo assinado pelo repórter, cedido pelo mordomo da Casa Imperial. D. Pedro chamou às falas... o mordomo. Pois este havia exigido o recibo, quando lhe recomendara não pedi-lo.
— Mas, meu senhor, se eu não exigisse o recibo, pois sabia com quem lidava, todo o mundo acreditaria que esse senhor jamais procurara Vossa Majestade, e jamais recebera coisa alguma.
— Melhor seria. Preferia que não se soubesse. Além do mais, desobedeceste-me. O que faço na minha Casa não é para que o público saiba.

Em 1891, o Visconde de Taunay publicou no “Jornal do Comércio” um artigo, no qual perguntava: “De que acusam a Monarquia? Alguma vez ficou ela indiferente, alheia às mínimas dores da Pátria, inerte ante as suas aflições? Alguma vez representou ela a prodigalidade e o gozo, o parasitismo, a locupletação e o luxo, na diminuta dotação que recebia toda a Família Imperial? E que soma fabulosa, inimaginável, seria necessária para pagar e retribuir a paz e a tranqüilidade deste imenso Brasil desde 1840, a dignidade do seu nome, a sua honorabilidade no conceito de todas as nações do mundo, o respeito que, sem contestação, merece de todos?”

***

Visite agora os sites:
www.fatoshistoricos.com.br
www.mundodanobreza.com.br

26.5.08

05 - O IMPERADOR NA INTIMIDADE

No recesso do lar, a vida do Imperador

D. Pedro II era sempre afável. A escritora Adelaide Celliez comenta sobre ele: “Nunca da sua boca se ouviu sair uma frase ofensiva, uma palavra áspera, nada que pudesse ferir um coração, ou o amor próprio. Sempre a mesma cordialidade, a mesma polidez, a mesma indulgência, e sempre a mesma vigilância e atividade do chefe de família aplicado à direção do Império constitucional”.

As princesas D. Januária e D. Francisca, irmãs de D. Pedro II, gostavam de cozinhar, quando crianças, mas faziam-no às escondidas. O irmão estranhava a constante falta de apetite das princesas, e pôs-se a espreitá-las, até descobrir que se alimentavam com os pratos que elas mesmas preparavam. Daí em diante não puderam evitar que o imperial irmão participasse da sua mesa clandestina.

Quando já velho, frei Pedro de Santa Mariana, preceptor de D. Pedro II na infância e adolescência, soube que o Imperador tinha ido ao teatro sem a Imperatriz, que ficara em Petrópolis. De madrugada, subiu as escadas e foi dizer ao Imperador:
— Venho pedir-vos um favor.
— Qual é?
— Vossa Majestade não vá mais ao teatro sem a Imperatriz. Fica muito feio.
O Imperador atendeu o pedido do seu estimado mestre.

Dom Pedro de Saxe-Coburgo, neto de D. Pedro II, foi certa vez a um baile na casa de uma baronesa em Rio Comprido. O Imperador notou que ele saíra em trajes de baile, compreendeu tudo, e à hora de recolher-se, em vez de ir para os seus aposentos, foi deitar-se na cama do neto, permanecendo ali a ler, até que ele finalmente chegou.
O jovem príncipe, ao entrar, muito satisfeito, recuou assustado ante a inesperada aparição daquele vulto querido estendido no seu próprio leito, a ler serenamente o Dom Quixote.
— Vovô?!...
— Tranqüiliza-te, meu filho, que sou eu. Uma cama de rapaz solteiro não deve ser abandonada durante a noite inteira. Vi-a tão solitária, e vim fazer-lhe companhia. Peço-te apenas que não me obrigues a repetir estas noitadas. Os velhos não devem também alterar os seus hábitos, e só tu me obrigarias a fazer isso.

A um cientista do Rio da Prata, perguntou D. Pedro em que se ocupara mais recentemente, e este lhe respondeu que redigia uma obra, em fase adiantada. Manifestando o desejo de lê-la, desculpou-se o escritor:
— Senhor, há capítulos que eu não desejaria que fossem vistos antes de minha morte.
— Podem-se conciliar os desejos de ambos. Confie-me o texto, indicando quais os capítulos que eu não devo ler, e eu verei o resto.
Foram-lhe confiados os originais da forma pedida, e no dia seguinte D. Pedro recomendou ao seu camarista que os lesse em voz alta, saltando os capítulos vedados.


Com os homens de Estado, um trato ameno e firme

O general Osório ocupava a pasta da Guerra. Em um dos despachos coletivos, o Imperador, minado pelas moléstias e pela idade, começou a cochilar, e adormeceu na presença dos seus ministros. Estes se entreolharam, numa consulta silenciosa. Que fazer, em tal situação? Irem-se embora? Seria uma desconsideração. Chamá-lo? Seria um desrespeito. Osório teve uma idéia. Desafivelou o cinturão e, como se fosse inadvertidamente, deixou cair a espada ao chão, provocando considerável barulho. Despertando, o Monarca logo se deu conta do que era, e brincou:
— Certamente, Sr. General, a sua espada não caía assim no Paraguai.
— Absolutamente, Majestade. Mesmo porque, no Paraguai, não se dormia!

D. Pedro II tinha indissimulável aversão à bajulação. Um dos seus camaristas, de índole subserviente, desejava entrar para a política, e apareceu como candidato de um dos partidos a uma cadeira no Senado. Apesar de votado em primeiro lugar, foi preterido na escolha pelo Monarca. Três vezes veio na lista tríplice, e três vezes foi esquecido. Ressentido, o camarista indagou de Sua Majestade a razão de tantas preterições.
— Não tenho queixas contra o senhor. É que são tão importantes os serviços que me presta como servidor da minha Casa, que não quero privar-me deles.

Andrés Lamas, embaixador do Uruguai no Brasil, possuía belos rosais em Petrópolis. O Imperador ia procurá-lo pela manhã, entre as roseiras, com o pretexto de jardinar. E ambos, com grandes chapéus de palha, removiam a terra enquanto falavam de poesia ou da política do Rio da Prata.

Em 1871, D. Pedro II foi o primeiro governante estrangeiro a visitar Paris, depois das atrocidades da comuna, que deixaram a cidade em ruínas. O governo francês se instalara em Versalhes, aonde D. Pedro foi fazer uma visita oficial ao presidente Adolphe Thiers, que conhecia o gosto de D. Pedro pelo estudo da antiguidade. No Petit Trianon, ao cumprimentá-lo, Thiers exclamou:
— Infelizmente, Vossa Majestade tem aqui muitas ruínas para visitar!
— Já visitei todas elas!

Durante a sua primeira viagem à Europa, D. Pedro II foi procurado pelo ministro americano Robert Schenck, para pedir-lhe a arbitragem na questão do Alabama, em que funcionaria como alto juiz. O Imperador escusou-se:
— Não, senhor. Aqui eu não sou Imperador, mas um cidadão que viaja.
O diplomata insistiu, mostrando que D. Pedro poderia escrever sobre o assunto para o Brasil. Mas este foi peremptório:
— Aqui eu não escrevo cartas sobre negócios, e não pretendo mudar de hábitos.


De pequenos e grandes, as homenagens ao nosso Imperador

Em 1888, quando estava em convalescença no interior da França, o Imperador foi visitar a capela de S. Cassiano. Foi recebido pelo ancião frei Luiz de Gonzaga, guardião da capela. Ao se despedir, disse-lhe o religioso:
— Creio ter tido a honra de falar ao Imperador do Brasil. Será exato?
— Por que me faz a pergunta?
— Porque o Imperador do Brasil é muito conhecido aqui, e me haviam dito que é um homem alto, de barba branca e muito bondoso. Com essas explicações, julgo ser o Imperador que aqui está. Disseram-me também que ele esteve doente, e aqui veio convalescer. Tenho sempre rezado por ele.
— Muito e muito obrigado, frei Gonzaga – respondeu comovido o Imperador.

Para prestar homenagem ao Imperador, que iria visitar a exposição de Florença, o professor De Gubernatis determinou que uma banda de música fosse posta à entrada principal, no dia da visita, com o encargo de saudá-lo com o Hino Imperial Brasileiro. Para que o chefe da banda não se enganasse quanto à pessoa a quem deveria homenagear, descreveu-o como um personagem alto, respeitável, de longas barbas brancas.
Aconteceu, no entanto, que o Imperador, para melhor e mais desembaraçadamente apreciar a exposição, chegou antes da hora, entrando por uma porta lateral. E percorreu-a sozinho, a pé, passando facilmente despercebido no meio dos muitos visitantes. Não teve por isso o seu hino. Mais tarde, encontrando-se com De Gubernatis na exposição, perguntou-lhe:
— Explique-me uma coisa, meu caro professor: por que é que de quando em quando ouço tocar lá fora o hino do meu País?
Um pouco confuso, o professor explicou-lhe a projetada homenagem. Mas, como chegaram vários personagens que correspondiam à descrição, o chefe da banda, com medo de enganar-se, resolvera receber cada um ao som do hino brasileiro. De forma que a única barba branca que não tivera o seu hino fora justamente a do Imperador do Brasil.

Na véspera do dia em que D. Pedro II devia ser recebido no Eliseu, o presidente francês Adolphe Thiers verificou, apreensivo, que não se tinha a menor idéia sobre o que podia ser o hino brasileiro. Chamou às pressas Gobineau, ex-embaixador francês no Brasil.
— O hino brasileiro? Ora essa! Certamente que há um hino brasileiro. Talvez eu possa reconhecê-lo. Mas lembrar-me, nunca.
Impossível receber o Imperador sem o seu hino. Acompanhado de Madame Thiers, Gobineau põe-se a campo. É uma corrida louca através de Paris, por todos os comerciantes de música. Mas ninguém conhece o hino. Enfim, em casa de Durand, descobrem-se umas músicas que vieram lá de longe. Gobineau não sabe ler uma partitura, e corre então para a casa de uma amiga, Lady Blunt, que se põe ao piano e a toca. Bravos! Gobineau confirma que era, sem dúvida, o hino brasileiro, e o leva triunfalmente ao Eliseu. A banda da Guarda Republicana passa a noite a orquestrá-lo, e no dia seguinte a honra da república estava salva.

No exílio, em 1890, alguém disse ao Imperador:
— Acabo de ler nos jornais que Rui Barbosa, num elogio a Deodoro, comparou-o a Washington.
— Verdade? Todos poderiam ter feito semelhante paralelo, menos esse, que sabe tão bem História e conhece as coisas do Brasil.
— E quem mais se assemelha a Washington do que Vossa Majestade?
— Oh! Não, não! Washington é um dos maiores homens da História. Um só ponto nos aproxima um do outro: o amor da pátria. Ele dos seus Estados Unidos, eu do meu Brasil.
— Pois a História colocará as duas figuras no mesmo pedestal, reconhecendo maiores virtudes talvez na brasileira, para orgulho nosso.
— Não diga isso. Arrasta-o o ardor da imaginação.
— A Washington, senhor, faltou a apoteose do infortúnio. Sempre um feliz. Os seus predicados jamais foram submetidos à contra-prova dos reveses pessoais. Viveu à luz de benigna sorte. Nunca perdeu filhos queridos. Educado por mãe extremosíssima, mulher superior que o viu ascender à chefia da sua nação e morreu em avançada idade. Extraordinários, na verdade, são os seus serviços, porém mais extraordinário ainda o reconhecimento dos seus concidadãos para com ele. Rico, adorado dos contemporâneos, Washington não tragou o fel das ingratidões e das injustiças. Não se viu expelido do solo natal pela soldadesca, como um bandido, após cinqüenta anos de honesto governo.
O Imperador ouvia pensativo, abanando de leve a cabeça. No fim, murmurou apenas, com melancolia:
— Na verdade, eu não conheci minha mãe. Tinha menos de um ano quando ela expirou...


Sem a vaidade da posição, gestos simples do Imperador

D. Pedro II gostava de caminhar pelas ruas do Rio, como simples transeunte. Certo dia ele se encontrou com um negro, que manifestamente não desejava fazer o esforço de ceder passagem. Muito tranqüilamente, desceu do passeio e seguiu caminho. O secretário, que o acompanhava, disse:
— Como Vossa Majestade pode se rebaixar assim diante de um negro?
— Se eu não aproveito a ocasião para lhe ensinar algo de educação, quem é que o fará?

Com freqüência o Imperador visitava as oficinas de máquinas e estaleiros do Arsenal de Marinha. Numa dessas visitas, procurou pelo tenente José Carlos de Carvalho, e foi informado de que se encontrava trabalhando nas caldeiras. Lá chegando, estendeu a mão ao tenente, que o cumprimentou, mas logo se desconcertou por ter sujado a mão de D. Pedro, e pediu uma bacia com água e uma toalha. O Imperador disse:
— Não precisa. É a melhor lembrança que posso levar da visita de hoje, onde encontro o tenente Carvalho com a blusa de operário das oficinas deste arsenal.

Descendo a pé uma das alamedas internas da sua Quinta de São Cristóvão, D. Pedro II viu de longe alguns garotos trepados nos galhos das árvores, para furtarem frutas do pomar imperial. Sem dizer nada, deu meia-volta e tomou um outro caminho bem mais longo. O secretário que o acompanhava perguntou:
— Esqueceu alguma coisa, meu senhor?
— Não. Vou dar volta por ali. Se eu prosseguisse por este lado, aqueles meninos ficariam amedrontados, e poderiam jogar-se das árvores e machucar-se. É preferível andarmos um pouco mais.

Nos Estados Unidos, Dom Pedro II foi a sós ao monumento Bunker Hill. Levantando-se cedo, como de costume, chegou às 6 horas, acordou o vigia e pediu permissão para entrar. Demonstrando muito pouco entusiasmo a essa hora da manhã, o vigia cobrou:
— São cinqüenta centavos a entrada.
Dom Pedro não tinha dinheiro, que ficava com o mordomo. Mas recorreu a um empréstimo do cocheiro da carruagem que o trouxera, pagou a entrada, inscreveu seu nome no livro de visitantes e entrou.
À tarde do mesmo dia, o historiador Richard Frothingham também compareceu ao monumento, inscrevendo seu nome na mesma página. Olhando para as assinaturas acima da sua, reconheceu a de Dom Pedro e disse:
— Vejo que você teve aqui o Imperador do Brasil.
— Aquele velho que não tinha um níquel?! Não me deixo enganar por um sujeito que não tem dinheiro nem para pagar uma entrada!


Amenidade e cortesia em ditos de ocasião

Visitando o Colégio Nossa Senhora do Patrocínio, em Itu, em 1888, D. Pedro II e a Imperatriz Teresa Cristina tiveram uma brilhante recepção. No pátio, as alunas perfiladas e uniformizadas fizeram ao casal imperial as três reverências de estilo, provocando esta exclamação do Imperador:
— Oh! Tal como na Europa. Um imenso trigal balançando suas espigas ao sopro da brisa.

O professor norte-americano David Todd mostrava a D. Pedro II um novo instrumento do observatório, no qual havia um espelho rotativo que dava não sei quantas voltas por minuto. D. Pedro comentou:
— Quase tantas como numa república sul-americana.

Em visita de D. Pedro II ao escritor Whittier, em Boston, este perguntou o que mais lhe agradara na cidade. D. Pedro explicou que estava sempre à procura de idéias novas, e acrescentou:
— O senhor sabe, eu sou doutor em doenças do Estado...

Em uma viagem do Imperador a Campos, o abolicionista José do Patrocínio torceu o pé, ao subir para o vagão imperial, e D. Pedro II correu a ele, indagando sobre seu estado. Quando se certificou de que não era grave o acidente, disse-lhe risonho:
— O Sr. Patrocínio parece que não pisou no carro da Monarquia com o pé direito.

D. Pedro II, em São Paulo, entrou com sua comitiva numa câmara frigorífica, onde a temperatura era de cinco graus abaixo de zero. O senador Marquês de Paranaguá ficou de fora, aguardando. Ao sair, e notando a posição desse membro do Senado – instituição que o espírito popular denominava “Sibéria” – o Imperador gracejou:
— Oh! Nem me lembrava de que o senhor está à prova de temperatura mais fria...

Em Petrópolis, D. Pedro II encontrou-se na rua com o Barão de São Victor, negociante português. Perguntado pela esposa, este lhe afirmou que ela ficara em casa, mas logo depois viu-a passar diante deles. E comentou em francês:
— Souvent femme varie...
— Onde se escreveu esta frase?
O Barão não sabia, e logo D. Pedro completou:
— Francisco I a escreveu numa janela.

Nos últimos dias da guerra contra Rosas, com suas atrocidades e execuções, D. Pedro II pediu a Andrés Lamas, em Petrópolis, notícias do Rio de Janeiro.
— Morre-se de febre amarela...
— Que quer! Nem todos têm a mesma sorte, de morrer degolados...

Frei Fidelis d’Avola insistiu com D. Pedro II para que permitisse a reabertura do noviciado no convento de Santo Antonio. Um tanto jocosamente, D. Pedro argumentou:
— Qual! A época dos frades já passou!
— Majestade, não diga assim, porque andam também dizendo por aí que já passou o tempo das cabeças coroadas...


No limiar da guerra, um pouco da vida de caserna

Ao se iniciar a guerra do Paraguai, o Imperador foi a Uruguaiana, a fim de conferenciar com os presidentes dos países aliados. Ao longo das estradas precárias daqueles tempos, em veículos desprovidos de qualquer conforto, a comitiva de D. Pedro II deslocava-se como podia, sujeita ao mau tempo e a imprevistos. O Conde d’Eu narrou essa viagem em um livro, onde escreveu:
“Certo dia, de chuva torrencial e continuada, a comitiva lutou horas seguidas para poder ir adiante. Opunham-se-lhe todas as dificuldades: os caminhos encharcados, quase intransitáveis; o frio, o vento, o nevoeiro, que mal deixava ver cinco passos adiante; e, sobretudo, aquela maldita chuva, cada vez mais inclemente, cada vez mais copiosa!
De repente, no mais forte do temporal, a comitiva sentiu que estava desnorteada. Perdera-se naqueles campos sem fim, onde tudo se confundia: solo, horizonte, céu... Na região circunvizinha, nem o menor sinal de vida. Parar? Era impossível! Prosseguir? Mas em que direção? Procurou-se o capitão Morais, a única pessoa que conhecia a região. Mas onde estava o capitão Morais? Tinha ficado para trás, com todas as viaturas.
O momento era realmente de consternação geral. Pouco depois, porém, começa a aparecer um luar de esperança. Descobriu-se à direita, a pequena distância, uma sombra que parecia uma casa. Caminhou-se um pouco mais e a sombra precisou-se: era de fato uma casa.
Para lá nos dirigimos, e foi com indizível alegria que nos apeamos e nos abrigamos da água do céu. A casa era habitada por uma viúva e suas três filhas, uma das quais, casada, tinha o marido na guerra. Não possuía a família senão duas pobres camas e três compartimentos, aos quais era impossível dar-se o nome de quartos. Em um deles estavam pendurados a uma corda, em todo o seu comprimento, pedaços de um boi morto na véspera. Como era o quarto mais espaçoso, nele nos alojamos, à espera de que a chegada dos carros nos permitisse mudar de botas. E cada um se pôs a fazer considerações mais ou menos filosóficas sobre o resultado pouco brilhante da jornada.
Às quatro horas apareciam os carros tão ardentemente desejados. Mas, ai! Se as pernas iam ter com que se enxugar, os estômagos ficavam logrados: o carro que trazia o jantar quebrara-se, e todos os alimentos se haviam espalhado pelo charco. Tínhamos pois de aceitar com reconhecimento a carne de vaca meio assada, que a dona da casa nos trazia espetada num pau. O general Cabral apoderou-se dela, e distribuía os bocados que ia cortando com uma faca. A operação podia ser suja, mas, realmente, o sabor era excelente.
No dia seguinte, a situação não era mais promissora. Passa-se o dia nas carretilhas. Almoça-se churrasco, porque das carretas que trazem a cozinha e os cozinheiros não há vestígio. Para o jantar, a boa dona da casa encontra meio de acrescentar ao churrasco uma galinha cozida e uma tigela de pirão, massa de farinha de mandioca, sem sal, que eu acho sem sabor, mas que o Imperador declara deliciosa.
Enfim, pela madrugada do outro dia, a chuva cessou de cair. Horas depois apareceu o sol, que foi recebido com uma alegria geral e comunicativa. E, como afinal haviam chegado as carretas tidas como perdidas, a comitiva tocou novamente a marchar, para a frente, sempre para a frente”.

“A comitiva do Imperador, nas proximidades de São Gabriel, desviou-se para visitar o campo onde se dera, trinta e três anos antes, a batalha de Ituzaingó. Apenas duas cruzes toscas, de madeira, assinalavam o antigo campo de luta.
O general Cabral, que participara da batalha, tomou a iniciativa de explicar ao Imperador o seu desenrolar. Natureza exaltada, pouco simpático aos rio-grandenses, Cabral atribuía todo o insucesso do combate à cavalaria dos gaúchos, que na sua opinião se comportara desordenada e ineficientemente.
Nessa altura de seu discurso, o Barão de Saicam, ali também presente, saiu em defesa da honra da cavalaria rio-grandense. Para ele, o resultado pouco brilhante da batalha deveu-se à imperícia de Barbacena e do seu estado-maior. Acendeu-se entre os dois uma acalorada controvérsia. A tal ponto se embrulhou, que por fim já nem sequer sabíamos qual fora o ribeiro do campo de batalha, nem de que direção tinham vindo os dois exércitos. O Imperador, paciente, tolerante, sorria calado, um tanto cético, em meio a esse terrível combate verbal”.

***

Visite agora os sites:
www.fatoshistoricos.com.br
www.mundodanobreza.com.br

04 - SIMPLES, SÁBIO E JUSTO – O IMPERADOR FILÓSOFO

Nosso Imperador gosta de estar bem perto do povo

O Imperador era respeitoso do conforto alheio, preocupado sempre em não incomodar a ninguém. Quando estava em Petrópolis, preferia descer ao Rio uma vez por semana, para despachar com os ministros em São Cristóvão, a obrigá-los a fazer as quatro ou cinco horas de viagem a Petrópolis.
Comparecia com a família aos bailes semanais do Hotel Bragança. Nos últimos anos já não dançava, mas limitava-se a conversar animadamente com todos. A Imperatriz estava geralmente presente, já idosa, baixa, coxa, nada devendo à formosura, mas seu aspecto traduzia a estirpe real, o selo aristocrático.
Na rua, cruzando com os transeuntes, o Imperador os cumprimentava com um largo gesto, cheio de cortesia. Outras vezes fazia parar um conhecido, político ou diplomata estrangeiro, com quem trocava algumas palavras. Não raro as crianças o rodeavam, fazendo algazarra. E era pitoresca, então, a cena daquele ancião respeitável, simples e desprevenido, cercado por uma meninada buliçosa, à qual distribuía pratinhas “com o seu retrato”. Em certas manhãs acompanhavam-no a Imperatriz, a Princesa Isabel, o Conde d’Eu e os pequenos príncipes. Caminhavam então em grupo, pelo meio da rua. Após o jantar, saíam todos a passeio pelas ruas da cidade, num landau puxado por uma bela parelha de cavalos negros, pertencentes ao Conde d’Eu.

Em Saint Etienne, no Loire, o Imperador quis visitar uma famosa indústria local. Saltou um pouco antes do portão, e enquanto caminhava pelo quarteirão muita gente vinha à porta, para vê-lo melhor. Em frente a uma das casas, um garoto de quatro anos chama a sua atenção. Este se põe então a sorrir, e diz:
— Esta é a minha casa. O Senhor não quer entrar?
Encantado com essa ingênua recepção, o Imperador entrou. Depois de ter lançado um olhar pela sala, e satisfeito por ter visto o interior daquela casa operária, deu um tapinha na bochecha do garoto e saiu, deixando-lhe como lembrança uma nota de cem francos.

D. Pedro II detestava a gravata branca. No baile que lhe foi oferecido na corte de Berlim, contrariando o protocolo, compareceu de gravata preta. Meia hora depois de sua chegada, os demais convidados estavam de gravata preta, em honra ao Monarca brasileiro.

No Covent Garden, em Londres, onde só se entrava de casaca, D. Pedro II inadvertidamente compareceu de sobrecasaca e cartola. O porteiro, que não sabia de quem se tratava, observou que teria de ser obedecido o regulamento. Habituado aos padrões nacionais, o Barão de Souza Fontes, que acompanhava D. Pedro, segredou ao porteiro:
— É Sua Majestade, o Imperador do Brasil.
— Pois... o camarote da rainha é lá em cima. Lá poderá entrar de sobrecasaca. Aqui, não.


A simplicidade da Família Imperial, vista por uma educadora alemã

Ina von Binzer, educadora alemã que viveu no Brasil em 1881/82, publicou posteriormente as cartas que então escreveu, relatando as suas impressões sobre o Brasil. Em 1/9/81, comenta sobre o nosso Imperador, que inaugurava um trecho de ferrovia:
“A manhã foi movimentadíssima. Todos os convidados estavam de pé, para ir visitar a cidadezinha de São João d’El Rey, e mesmo o mais pobre dos habitantes mostrava-se orgulhoso e amável, porque se considerava um anfitrião.
Às sete horas da noite, naturais e estrangeiros acorreram à estação, onde D. Pedro devia chegar. E como o trem atrasara quase três horas, não apareceram policiais nem funcionários da ordem, a fim de impedir que seus caros e leais súditos se comprimissem, dando tempo à multidão para empilhar-se, formando um muro compacto.
Finalmente chegou o trem. A locomotiva quebrara-se pelo caminho, e enquanto providenciavam uma outra, o Imperador foi obrigado a esperar duas horas na estação de Entre Rios, que ainda estava sendo pintada e atapetada para recebê-lo. Mas, como se podia perceber, nada disso prejudicava seu bom humor:
— Arranjaram também um concerto e um baile? – ouvimos quando ele indagou.
Cumprimentava sempre com o chapéu e com a mão. A Imperatriz acenava à direita e à esquerda. Atravessaram, seguidos pelo seu pequeno séquito, dirigindo-se com amabilidade aos seus súditos, encaminhando-se para a sala de espera da estação.
Nosso grupo aproveitou-se dessa curta demora para voltar mais depressa à casa onde se hospedaria o par imperial. Era uma propriedade particular, emprestada ao hóspede imperial, e pertencia a uma baronesa viúva que vive no Rio.
De repente, o barulho de um carro, que sacolejava entrondosamente sobre o calçamento. Curiosa, avancei minha cabeça: um senhor alto, imponente, de barba branca, apertava cordialmente a mão do Dr. Rameiro, que se achava perto da porta. Depois, esse vistoso senhor entrou no corredor e apertou a mão das senhoras, que se inclinaram levemente, e a seguir a dos senhores.
Atrás do Imperador vinha uma senhora muito pequenina e um pouco disforme, vestida simplesmente de preto, sorrindo com benevolência e dando a mão a beijar. Eram o Imperador e a Imperatriz do Brasil.
Você não pode fazer idéia do que eu sentia! Era tudo tão horrivelmente simples, e eu imaginara de maneira tão diferente uma recepção aos imperadores, oferecida por esses suntuosos brasileiros! Não havia nada impressionante.
D. Pedro oferece o braço à sua esposa, e o casal sobe a escada lentamente. Nós os seguimos. Em cima, a Imperatriz senta-se no sofá da sala de visitas. As senhoras presentes seguem o exemplo dessa única dama da corte, sentando-se à direita e à esquerda, nas filas de cadeiras em ângulo reto. E a pobre Imperatriz, velha e cansada, encontra ainda uma palavra amável para cada uma, enquanto o Imperador, como se fosse um moço, sem o mínimo sinal de fadiga, se reúne aos senhores.
Imagine, Grete! Ele falou também comigo. Primeiro, assustei-me quando se dirigiu a mim perguntando por meu tio, que se acha em Nova York, mas viveu muito tempo no Brasil, tendo sido muito protegido pelo Imperador. Parece que D. Pedro fala bem o alemão, mas comigo falou em francês.
O repouso das altas personagens não durou muito. O ministro da Agricultura, Buarque de Macedo, que fazia parte do séquito, já no caminho fora atacado por violento mal estar. À meia-noite informaram ao Imperador, que dera ordens para tal, que o ministro se aproximava do fim. Imediatamente, D. Pedro dirigiu-se para o lugar onde ele se encontrava.
Durante algum tempo, o doente esteve entre a vida e a morte. Depois, suspirou: ‘Minha pobre família...’ E o Imperador só teve tempo para tranqüilizá-lo, com breves palavras sobre o destino deles”.


Entre gente famosa, o prestígio do nosso Imperador

Em 1871, quando fez sua primeira viagem à França, D. Pedro II recebeu com viva simpatia o ilustre professor Adolphe Franck, do Instituto de França, autor do Dicionário Filosófico. A partir desse dia, cada vez que assistia às reuniões do Instituto, do qual era membro correspondente, procurava conversar com o filósofo, e não perdia as suas aulas no Colégio de França, mas permanecendo incógnito, como simples discípulo.
Numa das aulas, em que tratava do problema da escravidão, e percebendo a presença do Imperador, Franck disse:
— Um grande imperador moderno tomou a peito suprimir, em seu vasto império, a chaga social da escravidão, que desonra a humanidade. Esse imperador filantropo e sábio não é um mito. Existe realmente, está cheio de vida, e percorre todas as capitais da Europa, estudando as instituições e os costumes ocidentais. Podeis, senhores, vê-lo, falar-lhe e contemplar-lhe a face augusta. Ele está na Europa, na França, entre vós. Ele está ao vosso lado!
Imediatamente todos voltaram-se para o Soberano, e o aplaudiram com entusiasmo. Foi uma cena tocante e admirável.

Em Paris, D. Pedro II foi visitar o Professor Chevreul, seu velho amigo da Academia das Ciências, que carregava o peso de 102 anos de idade. Chamavam-no de “decano dos estudantes franceses”. Ao abraçá-lo, disse-lhe o Imperador:
— É a minha velhice que vem saudar vossa juventude de cabelos brancos!

Um dos maiores desejos de D. Pedro II era conhecer pessoalmente Victor Hugo, então no esplendor da notoriedade e da glória. Chegando a Paris em 1877, deu instruções à embaixada do Brasil para comunicar ao escritor o desejo que tinha de vê-lo entre seus visitantes do Grande Hotel. A resposta foi:
— Victor Hugo não visita ninguém.
Ao ter notícia da resposta, D. Pedro II sorriu:
— Não faz mal. Eu procurarei conhecê-lo. Ele tem sobre mim o triste privilégio da idade, e também a superioridade do gênio. Eu vou, portanto, fazer-lhe a primeira visita.

Ao tempo em que D. Pedro II visitou Victor Hugo, havia em Paris uma espécie de carruagem para transporte coletivo urbano, popularmente conhecida como impériale. Descrevendo como era o seu dia-a-dia, o poeta disse ao Imperador:
— Depois do almoço, por volta de uma hora da tarde, eu saio, e faço uma coisa que Vossa Majestade não poderia fazer: subo num ônibus.
— Por que não? Essa condução me conviria perfeitamente. Ela não se chama impériale?

Quando se despedia do republicano Victor Hugo, após uma de suas visitas, D. Pedro II ouviu dele estas palavras:
— Felizmente não temos na Europa um monarca como Vossa Majestade.
— Por quê?
— Se houvesse, não existiria um só republicano...


Um Imperador com vasta cultura geral

A cada passo, frei Antonio da Conceição Gomes de Amorim, beneditino e antigo capelão da Armada, exclamava:
— De todos os monarcas do mundo, o nosso é o único sábio!
Com o passar dos anos, crescera nele a já enorme admiração pelo Monarca:
— Saibam vocês que, perto do nosso Imperador, os outros reis do mundo são uns ignorantes, uns analfabetos!
Ia um pouco longe frei Amorim, mas não há hoje quem, de boa fé, pretenda negar quanto foi D. Pedro II um dos homens de mais vasta cultura geral, servido por belíssima inteligência e formidável memória, continuamente aprimorada pela obtenção de novos elementos, pois jamais houve ledor insaciável que lhe tenha levado vantagem.

O diplomata e escritor Gobineau foi embaixador francês no Rio de Janeiro, tornando-se grande amigo e confidente de D. Pedro II. Quando foi apresentar as credenciais, o Imperador lhe disse:
— Eu não o conheço como diplomata, mas desde muito que leio os seus livros e o conheço como escritor. Vamos nos sentar, assim conversaremos mais à vontade.
Estavam na sala do trono, e o Imperador o levou para um pequeno salão ao lado, sentou-se num sofá, e o diplomata numa poltrona. Por mais de uma hora conversaram sobre os monumentos da idade da pedra, sobre a língua guarani, sobre o período glacial, sobre a pré-história dos países nórdicos. Ao final da entrevista, decidiu:
— Discutiremos tudo isso a fundo. Venha ver-me todas as vezes que quiser. Terei sempre prazer em conversar com o senhor.

Na sua viagem à Europa, em 1871, os eruditos ouviam D. Pedro II estupefatos. Metia-se com sofreguidão pelos segredos da ciência. Desordenadamente, mas com tal sinceridade, que os cientistas custavam a crer naquele caso, de um chefe de nação douto como um catedrático, inteirado dos progressos da fisiologia e rodeado de livros espantosos.

Frederico Nietzsche estava numa pequena estação da Áustria, quando passou o trem no qual devia embarcar, para fazer pequeno percurso. Enganou-se e foi ter a certo vagão de luxo. Verificando o erro, e notando que o carro estava ocupado por alta personalidade com o seu séquito, quis retirar-se, mas teve logo o amável convite do ilustre viajante a que se sentasse. Não tardou que este o interpelasse, e dentro em pouco estavam os dois em animada conversa.
Uma hora mais tarde, o trem chegava à estação do destino de Nietzsche. Absolutamente entusiasmado, só então, ao descer, indagou da identidade do interlocutor. Surpreso, soube que se tratava do Imperador do Brasil. Depois, muito falou acerca do imprevisto encontro, literalmente fascinado pelo espírito do Soberano.

Magalhães de Azeredo conta que ouviu no estrangeiro a pergunta:
— Por que destronaram o velho D. Pedro II, um imperador tão bom e tão sábio? Se cá tivéssemos um imperador como ele, nós o faríamos prisioneiro, para que não pudesse ir embora.


Nosso Imperador: um filósofo e um sábio

Visitando o Liceu de Marselha, D. Pedro II foi convidado para assistir a uma aula de grego, onde um aluno o saudou nesta língua. O Imperador levantou-se, comovido, e agradeceu a saudação na própria língua de Homero. Saindo dali, foi ouvir a aula de árabe do professor Reinauld.

D. Pedro II conhecia a fundo lexicologia e lexicografia dos principais idiomas, além das línguas orientais e dos dialetos do nosso continente.
Em 1879, o cacique e alguns maiorais da tribo dos “coroados” estiveram no Rio a fim de se queixarem ao “Pai Grande”, narrando as violências praticadas contra eles por autoridades policiais do interior da província do Paraná. Hospedaram-se no Museu Nacional, no Campo de Santana.
Ninguém entendia o que diziam os silvícolas, embora se tivesse recorrido a vários lexicólogos. O Imperador, assim que tomou conhecimento da situação pelos jornais, foi visitá-los. E com a maior naturalidade conversou com eles, no seu dialeto.

Certo dia apareceu no Palácio o ministro da Fazenda, solicitando audiência para aprovação de uma nova lei de emissão de papel moeda. O Imperador sugeriu que tratassem do assunto no parque, onde o ministro expôs a sua argumentação. De repente D. Pedro descobriu um livro em cima de um banco, e começou a folheá-lo. Interessou-o de tal modo, que esqueceu tudo o que se passava à sua volta. O ministro, percebendo que o Imperador não mais lhe dava atenção, comentou:
— Majestade, a emissão de mais dinheiro é de suma importância!
— Senhor Ministro, falais de dinheiro? Pois eu deparei com um grande tesouro. Já há muito sonhava com ele, e agora estou satisfeito.
O livro continha textos em hebraico. Investigações posteriores revelaram que pertencia a um judeu sueco, Akerblom, que lá o havia esquecido. Posto em contato com o Imperador, desenrolou-se entre ambos uma prolongada conversação, ao fim da qual o judeu concordou em tornar-se professor de hebraico, mais uma língua que o Imperador aprendeu com facilidade.

O grão-rabino Benjamin Mossé, que publicou uma obra sobre D. Pedro II, declarou:
— Seu amor à literatura hebraica proporcionou-me a extraordinária satisfação de uma longa palestra com Sua Majestade. Tive a felicidade de conversar durante duas horas com o mais amável e instruído dos monarcas e, ao nos despedirmos, não pude deixar de lhe dirigir estas palavras, que ele acolheu com benevolência: “Majestade, sois mais que um Imperador, sois um filósofo e um sábio!”

O Conde de Mota Maia, médico do Imperador, que o acompanhou também no exílio, ouviu dele uma confidência:
— Há muito tenho um belo projeto, e julgo ser agora o momento para realizá-lo.
— Serei indiscreto perguntando que projeto é, meu senhor?
— Estou resolvido a imitar o exemplo de um imperador como eu, Carlos V. Entrarei para um convento, e aí passarei os poucos dias que me restam. Um convento que possua uma boa biblioteca. Que mais me é dado ambicionar?
— Oh! Senhor...
— Só uma circunstância me tolhe. Estou velho, enfermo, habituado aos cuidados de meu médico, que me conhece e no qual tenho confiança. Nos conventos não há médicos...
— Quanto a isso, não, meu senhor. Acompanharei Vossa Majestade seja aonde for.
— Estou certo disso. Mas não tenho o direito de lhe impor tamanho sacrifício. Bastam os que já tem feito.


No governo do Imperador, a preocupação pela justiça

Julgando-se prejudicado em um concurso para professor da Faculdade de Direito de Olinda, o Sr. Sá Antunes foi ao Rio e apresentou suas queixas ao Imperador, que prometeu encaminhar o caso ao seu ministro. Como a solução demorasse, teve de comparecer a várias audiências. Afinal, agastado pela demora, desabafou:
— Majestade, perdoe-me. Eu não acredito em seu ministro. Já perdi toda a esperança de obter justiça.
— Como, Sr. Sá Antunes! O senhor, tão moço, já assim descrente?! Não diga isso! Justiça se fará.
Pouco tempo depois o caso se resolvia favoravelmente.

Num concurso para professor de História do Brasil, no Colégio D. Pedro II, dois candidatos se classificaram em igualdade de condições. O ministro do Império decidira a favor do candidato que era natural do seu próprio Estado, e levou o decreto para a assinatura do Imperador, que argumentou:
— Os exames foram considerados iguais, mas o outro candidato, Matoso Maia, esteve na campanha do Paraguai...
— O Dr. Rozendo também esteve.
— Sim, mas como médico civil, em Assunção, no hospital de Marinha. O Matoso Maia esteve na batalha de 24 de maio, como cirurgião-mor de brigada. Além disso, é chefe de numerosa família, e o outro é solteiro.
À vista de tais razões, o ministro resolveu contrariar suas preferências políticas, e efetivou a nomeação do outro candidato.

Em audiência, alguém denunciou ao Imperador que um dos seus ministros não atendera a uma justa petição.
— Os meus ministros não fazem injustiça – respondeu prontamente. Depois, mais calmo, acrescentou:
— Eu mesmo vou examinar a questão.
E acabou dando razão ao reclamante, que tão acertadamente confiara na sua eqüidade.

O oficial de marinha Irineu José da Rocha foi preterido por diversas vezes, na promoção de posto. Indignado com tão repetidas injustiças, foi ter com o Imperador, e narrou-lhe o que ocorria. Concluiu com esta queixa:
— Se Vossa Majestade me fizer a graça de conceder a minha exoneração, no dia seguinte far-me-ei cidadão norte-americano. É demais o que tenho sofrido no meu País!
— Acalme-se, senhor tenente, acalme-se! Vá tranqüilo, que o meu Governo lhe fará justiça.
Pouco tempo depois o digno queixoso era promovido.

O Visconde de Ouro Preto publicara a 10 de dezembro um manifesto no jornal “Comércio de Portugal”, sobre o levante de 15 de novembro, ao qual se seguira a proclamação da República. O Imperador e ele estavam em Lisboa, exilados. Visitando D. Pedro II, este lhe disse:
— Já li o seu trabalho. Está muito bom, completo e claro. Achei-o excelente, menos num ponto.
— Qual, senhor?
— Não me pareceu muito justo a respeito do Maracaju.
— Eu não lhe fiz a menor acusação.
— Sim, mas quem ler o que o senhor escreveu...
— Perdão, senhor. Só me cumpria expor os fatos como eles se passaram. Pratiquei a mais escrupulosa fidelidade, com toda a calma e sem nenhum ressentimento. Não tenho receio de que me possam contestar com fundamento, porque só narrei o que presenciei, ouvi ou fiz. Cada qual tire daí as ilações que julgar acertadas. Se estas forem desfavoráveis a quem quer que seja, de quem é a culpa?
— Tem razão, mas não creio que houvesse traição da parte do Maracaju.
— Nem eu. Tenho-o por incapaz disso. Considero-o ainda hoje tão leal como no dia em que o apresentei a Vossa Majestade para ministro.
— Está bem. Vou reler o manifesto. Repugna-me acreditar tivesse havido traição da parte de certos personagens, como circunstâncias inexplicáveis autorizariam a desconfiar. Não sei definir... Traição consciente e premeditada, não. Trair parece-me coisa muito difícil: deve exigir extraordinário esforço. E trata-se, ademais, de homens com honrosos precedentes e serviços ao País. O senhor, em todo o caso, exprimiu a verdade. Cumpriu o seu dever.

Sobre a pena de morte, D. Pedro II afirmou:
— Não sou partidário da pena de morte, mas o estado da nossa sociedade ainda não a dispensa, e ela existe na lei. Contudo, usando de uma das atribuições do Poder Moderador, comuto-a sempre que há circunstâncias que o permitam. E para melhor realização deste pensamento, é sempre ouvida a Seção de Justiça do Conselho de Estado sobre os recursos de graça. A idéia da consulta à seção, para esse fim, foi minha.

***

Visite agora os sites:
www.fatoshistoricos.com.br
www.mundodanobreza.com.br