FATOS DO BRASIL IMPÉRIO

Bem vindo ao blog FATOS DO BRASIL IMPÉRIO. Aqui são narrados fatos da época do Império, geralmente pouco conhecidos, extraídos do livro REVIVENDO O BRASIL-IMPÉRIO, que publiquei sob o pseudônimo Leopoldo Bibiano Xavier. Leitura muito útil, que dá uma visão realista do modo como o Imperador Pedro II conduzia os destinos do País.
Você está convidado a visitar também os sites referentes ao meu livro mais recente, A VOLTA AO MUNDO DA NOBREZA, que contém mais de 1.700 fatos mostrando a atuação da nobreza em diversos países e épocas:
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Leon Beaugeste

3.6.08

11 - O SISTEMA POLÍTICO DO IMPÉRIO



Monarquia constitucional, o melhor sistema de governo para o Brasil

D. Pedro II sempre repetiu que a Monarquia constitucional era o melhor sistema de governo para um país nas condições políticas do Brasil. Escrevendo ao Visconde de Sinimbu, afirmou: “Cumpre que se convençam de que o nosso sistema de governo é o mais conveniente ao Estado do Brasil”.
Em carta a Alexandre Herculano, D. Pedro II ainda sustenta: “Também eu não sou partidário em absoluto de nenhum sistema de governo. Mas creio igualmente que o de nossas nações é o que mais convém às neo-latinas, cujos sentimentos ardentes exigem que se infunda o respeito ao princípio desse governo por atos de maior interesse, e mesmo de abnegação”.

D. Luiz de Orleans e Bragança, neto de D. Pedro II e cognominado “Príncipe perfeito”, escreveu no livro “Sob o Cruzeiro do Sul”: “O jogo do parlamentarismo, assegurado por dois grandes partidos, revezando-se no poder, alcançou sob o governo de meu avô uma perfeição de que, fora da Inglaterra, debalde se buscaria o equivalente. Grandiosa concepção política, habilmente decalcada sobre o modelo das instituições britânicas, das quais assimilou logo a elasticidade e a largueza; sustentada por uma plêiade de homens de Estado eminentes e desinteressados; consubstanciada na pessoa de um soberano cuja vida pública e privada jamais ofereceu margem à crítica. Esta Monarquia, ninguém o contesta, havia dado ao mundo o exemplo raro de um sistema parlamentar muito aproximado do ideal que os seus fundadores haviam entrevisto. Isolada no meio de um continente entregue por todos os lados à anarquia e ao despotismo, logo em seguida à crise da Independência ela soube assegurar a harmonia, tão difícil de alcançar, entre a opinião pública e os seus mandatários”.

O rei constitucional, de acordo com Gladstone, tem o direito de estudar e discutir a política, a administração, os negócios da competência e responsabilidade dos ministros, e se a estes convence pela razão e experiência, a opinião passa a ser ministerial. O regime mantém-se intacto e puro.

Na Monarquia constitucional, só uma entidade se perpetua através de todas as mutações: é o chefe do Poder Executivo, é o depositário do Poder Moderador, é a inteligência que conserva todas as tradições, que nunca deixa de intervir competentemente em todos os assuntos, que imprime a possível unidade e coerência aos negócios públicos. É ele o único motor sempre invariável, o único piloto constantemente ao leme.
A Monarquia constitucional contava com um cargo supremo, inamovível, inatingível pela salsugem das vagas partidárias. Esse magistrado inamovível nada tinha que perder ou ganhar no embate das paixões políticas. Todo seu interesse era temperá-las, moderá-las, encaminhá-las ao bom governo. Chamavam a isto tirania! Hoje um presidente da República tem de ser, por força, o produto de uma pugna; se vencedor, naturalmente e até por dever de gratidão, tem de se encostar a determinado grupo. Seu governo, infalivelmente, há de ser de partido. No dia imediato ao de uma eleição, divide-se a Nação em vencedores e vencidos. Chama-se a isto democracia!

Na República, se há um Senado de representação igual, para servir de laço federativo, o presidente da República pertence a um Estado, e não há quem ignore as conseqüências desta situação. Os governos republicanos, em regra, procuram orientar a sua política em benefício do Estado natal, ou do que lhes oferece maior interesse eleitoral. Trata-se de um fato notório, cuja demonstração é ociosa.
Ora, o Imperador, não pertencendo a nenhuma província, encarnaria com exatidão e força a idéia de “governo da União”, isto é, o governo de todo o conjunto, e não de uma das partes. Tanto que, como assinala Heitor Lyra, os gabinetes sempre foram “gabinetes imperiais”, “governos imperiais”, sem qualquer sombra ou mostra de linha regionalista ou de predomínio dos “grandes Estados”, sem estas contradições tão flagrantes e tão comuns entre a idéia federal e as práticas republicanas.
Apesar de desigual a representação das províncias no Senado, por força das condições do sistema, tínhamos governos carentes de quaisquer influências regionalistas. Governos realmente “federais”, e não o governo da Federação por um Estado, como tem sido a prática usual na República.

O Conselho de Estado foi uma grande concepção política, que mesmo a Inglaterra nos podia invejar. Era ouvido sobre todas as grandes questões, e era o conservador das tradições políticas do Império, para o qual os partidos contrários eram chamados a colaborar no bom governo do País, onde a oposição tinha que revelar seus planos, suas alternativas, seu modo diverso de encarar as grandes questões, cuja solução pertencia ao Ministério. Essa admirável criação do espírito brasileiro – que completava a outra, não menos admirável, que era o Poder Moderador – reunia em torno do Imperador as sumidades políticas de um e outro lado, toda a sua consumada experiência, sempre que era preciso consultar sobre um grave interesse público, de modo que a oposição era, até certo ponto, partícipe da direção do País, fiscal dos seus interesses, depositária dos segredos de Estado.


Sob o olhar vigilante do Imperador, o Ministério coeso e competente

D. Pedro II era um homem ameno e polido, de maneiras discretas e brandas, sem a veemência, os impulsos, os desabrimentos do pai. Mas sabia, sob o veludo das suas maneiras, mostrar firmeza, independência e resolução diante dos seus auxiliares de governo. Não era um rei molengão, e menos ainda um rei preguiçoso. Atento, meticuloso, exigente, cioso da exatidão e da regularidade, os seus ministros agiam com a certeza de que tinham sempre sobre eles, minuciosamente policial e inquiridor, aquele olhar vigilante, a cuja visão abrangente, de acuidade quase microscópica, não escapava nada. Ninguém desempenhou mais a sério a sua função constitucional. Comentando acusações que lhe fizera Tito Franco em um livro, o Imperador anotou:
“Pois eu não hei de dizer o que penso? Os ministros que não discutam comigo senão até o ponto que quiserem; e se minhas reflexões versam sobre pontos muito secundários, que importância têm neste caso as divergências entre ministros? Haja da parte dos ministros a mesma sinceridade com que eu procedo, e nenhum mal provirá de tais discussões”.

O desejo do Imperador era que o Presidente do Conselho exprimisse cada vez mais o pensamento coletivo do Ministério, fosse o fiel reflexo do Gabinete, o espelho, por assim dizer, onde ele pudesse ver, para poder melhor julgar e nortear-se, a orientação exata de seus colaboradores de governo.
As reuniões do Ministério se faziam aos sábados sob a presidência do Monarca, que conversava antes, a sós, com o presidente do Conselho, o qual, por sua vez, já debatera os assuntos com os colegas de ministério. No despacho coletivo todos poderiam falar, e sobre todos os assuntos. Eram debates livres do Gabinete, diante do Imperador com o seu “lápis fatídico” à mão. O resultado dessas “sabatinas” foi a competência quase universal dos estadistas do Império, que podiam ocupar indiferentemente qualquer das pastas do Ministério.

Joaquim Nabuco afirma: “O regime é verdadeiramente parlamentar. Não há em São Cristóvão um gabinete oculto, mudas ministeriais prontas para os dias de crise; a política faz-se nas Câmaras, na imprensa, nos comícios e diretórios eleitorais, perante o País. Em toda essa vida e movimento de opinião, que luta e vence pela palavra, pela pena, pelo conselho, ele não aparece; seu papel é outro, sua influência é enorme, incontestável, mas para que o seja, o seu segredo é apagá-la o mais possível, não violar a esfera da responsabilidade ministerial”.

Escrevendo sobre o modo como D. Pedro II governava, diz o Conselheiro João Alfredo: “D. Pedro II acompanhava os negócios públicos com persistente esforço. Ouvi de um juiz muito competente, com referência a um deputado nomeado para a pasta dos Estrangeiros, que ‘a muito se arriscava esse moço, porque o Imperador conhecia a fundo os assuntos da política exterior, e o novo ministro podia sair-se mal da primeira prova’. A capacidade do Soberano, a sua dedicação ao serviço público, eram geralmente celebradas no centro conservador. O seu trabalho perseverante, maior que o do mais laborioso ministro, as impertinências e minúcias do seu lápis fatídico, a atenção por toda a parte e a tudo, constituíam a sua patriótica cooperação para o bom governo, para uma política sã e moral, para uma administração operosa e digna”.

Havia talvez, da parte dos ministros, um certo temor de contrariar o Monarca. Mas outras vezes, nessas recriminações, o que se adivinha é o desapontamento de quem não conseguiu fazer passar, por debaixo da capa respeitável do interesse público, algum contrabandozinho partidário.
Em suas relações com o Ministério, em discussões muitas vezes calorosas, era ele quem cedia, salvo caso grave de razão de Estado, que determinasse mudança de gabinete ou de situação política. E cedia francamente, de bom ânimo, sem melindres de amor próprio:
— Bem... Dei o meu parecer, a responsabilidade é dos senhores. Façam o que entendam.
O Conselheiro Saraiva afirmou:
— Se os partidos se coligarem num alto intuito, não há perigo de que a Coroa ultrapasse os limites da Constituição, pois é sabido que o Imperador, por seus hábitos, não coage nem quer coagir ninguém.


Como juiz e árbitro das opiniões, o Soberano exerce o Poder Moderador

A expressão “poder pessoal do Imperador” foi muito usada na fraseologia política do Brasil durante o longo reinado de D. Pedro II. Entretanto ele se defendeu de haver exorbitado das suas atribuições constitucionais, que o revestiam da dignidade de “Poder Moderador” ou árbitro, mas não o deveriam reduzir a um títere mecânico, joguete de todos os ambiciosos.
O poder pessoal do Imperador consistia em mudar os governos e as situações sem outro critério que o seu. Era um arbítrio que tinha o objetivo impessoal de manter na governança as diferentes competências, separadas umas das outras pelas arregimentações partidárias, e de permitir que cada uma delas pudesse gozar por sua vez das honras, vantagens e responsabilidades da direção política. Fazia ofício de balança para o equilíbrio dessas forças e procurava tê-las satisfeitas, vigiando-se mutuamente e competindo no serviço da Pátria.

Legalmente, normalmente, o Imperador era forçado a intervir nas questões de todos os dias e nas dificuldades supervenientes. O resultado era que não podia evitar de decidir e tomar posição nos conflitos de interesses, quer partidários, quer de ordem outra, e sobre ele recaíam objurgatórias e maldições dos grupos políticos que se vira obrigado a contrariar.
Como tal fato ocorria principalmente por ocasião da mudança de gabinetes, ou na substituição rotativa dos partidos no poder, o que se visse apeado do Governo acusava e cobria de críticas o supremo detentor do Poder Moderador, enquanto o que era elevado à governança considerava perfeitamente natural, e nenhum favor, achar-se à frente dos negócios políticos. Após certo tempo do rotativismo, todos os grupos haviam sucessivamente sido governo e oposição, e, nesta última situação, nunca haviam poupado o Imperante, multiplicando provocações, críticas mais ou menos injustas e acusações. Assim, a opinião dominante na vida pública do País se achava eivada de suspeitas, quando não de hostilidade, contra o Supremo Magistrado da Nação.
Nunca se defendeu ele próprio, seguro como estava em sua consciência de homem de bem, de se achar acima de tais misérias. Muito atento em não ferir o sentimento público, usava de sua grande influência para guiar o País e seus representantes rumo às soluções que achava mais adequadas ao bem comum. Nunca permitiu o menor ataque à dignidade do Brasil. Nunca teve favoritos, nem tolerou aduladores. Ouvia e respeitava todas as opiniões. Delas fazia seu proveito e aceitava conselhos, quando lhes reconhecia valor. Sua vida, tanto a pública como a privada, foi imaculada.
Ao contrário do que se blaterava, o esforço imperial quanto aos partidos procurou sempre exercer-se no rumo da opinião nacional e do interesse público.

O Conselheiro João Alfredo, que durante algum tempo foi apontado como um dos acusadores do “poder pessoal” do Imperador, declarou no fim da vida:
“Sempre afirmei o contrário, tanto em particular como em público. Sua Majestade apenas fazia, aliás com suma delicadeza, o exame acurado dos assuntos submetidos a despacho imperial.
Uma vez me atrevi a interrogar Jequitinhonha sobre o assunto.
— Poder pessoal! – respondeu ele. – Ando à caça desse lobisomem. Estou de arcabuz escorvado, e se o encontro, não tenho dúvida: pontaria firme, tiro certeiro... Quebro-lhe o fadário”.

O conde austríaco Alexandre Hübner comentou com o Imperador, em visita que lhe fez em 1882:
— Vossa Majestade é e se chama Imperador constitucional, e se restringe conscienciosamente aos limites da Constituição. No entanto, Vossa Majestade reina e governa.
— Não, não! Vossa Excelência se engana. Eu deixo andar a máquina. Ela está bem montada, e nela tenho confiança. Somente quando as rodas começam a ranger e ameaçam parar, ponho um pouco de graxa.

D. Pedro II anotou em seu diário: “Querem, por força, que eu julgue ser o que não sou. Acusam-me de governo pessoal. Daqui a pouco, talvez me acusem de não intervir bastante no Governo”.
Alguns anos depois, com efeito, na sessão de 17 de maio de 1889, o deputado João Penido dizia:
— Sua Majestade, que exerceu o poder pessoal em toda a sua plenitude, está hoje em dia colocado em pólo diametralmente oposto. Hoje Sua Majestade reina, mas não governa nem administra, como fazia antes. Administram por ele, governam por ele. Pela enfermidade que o persegue, a ação de Sua Majestade limita-se a perguntar aos ministros: “Que papéis temos para assinar?”. E assina-os sem discutir, sem dar mesmo a sua opinião.


O Imperador não pertence a nenhum partido político

O modo de D. Pedro II encarar a atuação dos partidos foi por ele mesmo definido: “Não sou de nenhum dos partidos, para que todos apóiem nossas instituições. Apenas os modero, como permitem as circunstâncias, julgando-os até indispensáveis para o regular andamento do sistema constitucional, quando, como verdadeiros partidos e não facções, respeitem o que é justo”.
Presidindo à rotação dos partidos, desempenhava um papel essencialmente civilizador. Era graças a esse freio que a paixão partidária não chegava nunca, ou chegava raramente, a cometer os excessos que num meio de escassa cultura, como era o nosso, teriam necessariamente que explodir. Por outro lado, ele continha também os partidos nos seus limites objetivos, quer dizer, naqueles a que honestamente lhes era lícito aspirar, dentro de um exato regime representativo.
Freqüentes vezes dissentia dos seus ministros, porque, não pertencendo aos partidos, compreendia com maior isenção os interesses nacionais. Não raro ele desgostava os políticos para, na maioria dos casos, favorecer a opinião nacional.

Como o Imperador está em esfera superior à das facções, como é estranho aos combates e aos combatentes, nunca em tais lutas é ele vencedor ou vencido, nem podem ser seus atos eivados de parcialidade. O sol é comum a todos, e não tem particularidade com este ou com aquele.
A sua orientação política procurava ser imparcial, pois há nas suas decisões tal intento. São reiteradas as suas confissões de que não pertencia a nenhum partido. Quando foi acusado de atender mais o partido conservador, por dele nada recear, D. Pedro respondeu:
— É muito injusta esta acusação. Eu não tenho medo de nenhum partido, e ajo conforme e só conforme o que julgo exigir o bem do País. Que medo poderia eu ter? De que me tirassem o governo? Muitos reis melhores do que eu o têm perdido, e eu não lhe acho senão o peso duma cruz, que carrego por dever. Tenho ambição de servir a meu País, mas quem sabe se não o serviria melhor noutra posição? Em todo o caso, jamais deixarei de cumprir meus deveres de cidadão brasileiro.

Diz o Visconde de Taunay: “Estudem-se bem as indicações da Coroa nesse longo reinado de cinqüenta anos, e nelas se achará impresso o cunho da honestidade de intenções e da pausada ponderação com que em tão momentoso assunto continuamente procedeu Dom Pedro II. Se, no fim, buscava conciliar as conveniências partidárias dos gabinetes ministeriais com sua opinião de estadista e o conhecimento exato que tinha dos homens públicos, jamais abriu mão completamente da interferência que a lei orgânica da Nação lhe outorgava sem limitação alguma”.

Certa ocasião, D. Pedro II confidenciou ao diplomata e escritor Gobineau: “A política, tal como é geralmente praticada, desagrada-me muito, sobretudo quando penso na ciência e nas belas artes. Mas os sacrifícios me encorajam, e os meus amigos não precisam preocupar-se com os meus desabafos”.

Em 1882, quando caiu o gabinete do Conselheiro Saraiva, o Imperador recorreu ao oposicionista Martinho Campos para organizar o novo Gabinete. O escolhido quis recusar, e mostrou ao Monarca quanto lhe faltava para ocupar uma posição a que nunca aspirara, e tão contrária à sua índole. D. Pedro insistiu, dizendo que não prescindia de seus serviços. Lembrou-lhe que tinha deveres públicos a cumprir, e fez-lhe ver que não poderia faltar a eles. Discursando depois na Câmara, na apresentação do novo Gabinete, Martinho Campos explicou o seu entendimento com o Imperador:
— Vossas Excelências compreendem as dificuldades em que me achei... Mais acostumado a embaraçar os governos do que a pensar em ser governo, tendo passado a minha vida inteira na oposição, devo declarar que deste ofício de oposicionista já eu sabia um pouco; mas quanto ao de governo, não tinha nenhuma experiência e prática.

José Veríssimo, jornalista, comentou: “Somente ele, talvez, cuidou de outra coisa que não fosse a eleição, o orçamento, as garantias de juros às estradas de ferro, nomeações de funcionários e quejandos assuntos”.
No seu diário, o Imperador anotou: “Não tenho tido nem tenho protegidos, caprichando mesmo em evitar qualquer acusação a tal respeito. Dizem que, por esse escrúpulo, não poderei criar amigos. Melhor, pois não os terei falsos quando os haja conseguido. Os meus amigos sempre se queixaram de que não tinham a minha proteção”.
Não era diferente a atitude que mantinham a Imperatriz e a Princesa Isabel. Esse modo de proceder da Família Imperial dava-lhe, naturalmente, um grande prestígio moral, inatacável sob todos os aspectos, e ia refletir nas várias camadas da Nação, servindo de exemplo a toda essa sociedade brasileira em formação. A moral privada da Família Imperial deu força para criar um ambiente que purifica todo o Reinado.


O Imperador garante e respeita a liberdade política

No Brasil, sob o regime monárquico, havia muito mais liberdade e muito maior tolerância política do que hoje, sob a forma republicana de governo. Éramos, na realidade, uma democracia. As eleições, tanto quanto o permitiam as nossas condições, eram revestidas de seriedade. Todos os partidos políticos faziam-se representar no Parlamento e revezavam-se constantemente no poder.

D. Pedro II propôs uma reforma eleitoral, que ampliava o direito de voto, mas ela acabou encalhando na resistência insuperável das facções políticas. Só vinte anos mais tarde a eleição direta, primeira linha daquele programa, seria triunfante iniciativa do partido liberal. Tanto insistiu D. Pedro em que os ministros não divulgassem o seu nome associado à idéia da reforma, que estes acabaram por só lhe atribuir o que perturbava a inteligente atividade do Governo, ocultando a inspiração superior e confidencial que os orientava.

Respondendo a Saraiva, o Imperador afirmou:
— O senhor sabe, melhor que ninguém, que eu nunca fui embaraço à vontade da Nação, expressamente manifestada.
— Sei que o patriotismo de Vossa Majestade é tal que atende somente ao interesse da Nação, sem consultar a qualquer outra consideração.
— Agradeço a todos que pensam assim, porque me fazem justiça.

Joaquim Nabuco escreveu: “Trata-se de um homem cuja voz, durante cinqüenta anos, foi sempre, em Conselho de Ministros, a expressão da tolerância, da imparcialidade, do bem público, contra as exigências implacáveis e as necessidades às vezes imorais da política. Se chefes de partido disseram que com ele não se podia ser ministro duas vezes, foi porque ele os impediu de esmagar o adversário prostrado”.

Durante algum tempo houve no Rio de Janeiro desordens provocadas por políticos, que se utilizavam de marginais e capoeiras. Um dos grandes empresários da desordem organizada era o politiqueiro Duque Estrada. Com ambições de chefe eleitor, arrebanhou depois da guerra do Paraguai maltas de desordeiros, colocando-os a serviço de suas ambições. Conseguiu notáveis resultados, pelo terror que infundia.
Mas a certa altura os adversários resolveram empregar contra ele o mesmo recurso. A poder de rasteiras, cocadas, rabos-de-arraia e navalhadas, derrotaram-no fragorosamente. Indignado, Duque Estrada foi queixar-se ao Imperador, que se limitou a lembrar-lhe o preceito:
— Não faças a outrem o que não queres que te façam.
E em seguida voltou-lhe as costas.


No relacionamento com os ministros, a habilidade política do Imperador

A propósito do relacionamento do Imperador com os seus ministros, é interessante o depoimento de Martim Francisco: “Imagine-se de quanto tino deu provas Dom Pedro II, para lidar com 164 ministros, para entender-se com tantas índoles diferentes, com tantas ilustrações e meias-ilustrações, sem padecer um gesto de desrespeito, uma réplica sequer dissonante da vivacidade tolerável entre pessoas de educação. Poucos ex-ministros deixaram de ser seus amigos. Nenhum lhe ficou inimigo ostensivo”.

Alguns exemplos mostram bem a habilidade de D. Pedro II ao lidar com os ministros.

Em 1875, o Imperador pretendia incumbir o Duque de Caxias de organizar o ministério que substituiria o de Rio Branco. Caxias estava decidido a não aceitar a indicação, mas D. Pedro II encontrou um artifício inteiramente original para convencê-lo. É o próprio Caxias que narra o episódio, em carta à filha:
“Quando me meti na sege para ir a São Cristóvão, a chamado do Imperador, ia firme em não aceitar. Mas ele, assim que me viu, me abraçou, e me disse que não me largava sem que eu lhe dissesse que aceitava o cargo de ministro. Ponderei-lhe as minhas circunstâncias, a minha idade e incapacidade, mas a nada cedeu. Para me poder livrar dele, era preciso empurrá-lo, e isso eu não devia fazer. Abaixei a cabeça, e disse que ele fizesse o que quisesse, pois eu tinha consciência de que ele se havia de arrepender, porque eu não seria ministro por muito tempo, porque morreria de trabalho e desgostos. Mas a nada atendeu. Recomendou-me então que eu só fizesse o que pudesse, mas que não o abandonasse, porque ele então também nos abandonaria e se iria embora.
Que fazer, minha querida Anicota, se não resignar-me a morrer no meu posto? Tenho já arriscado a minha vida tantas vezes por ele, que mais uma, na idade em que estou, pouco era. Aqui estou, pois, desempenhando a função de velho perseguido, pois os velhacos e tratantes não me deixam respirar”.

Ao ser constituído o Gabinete presidido pelo Senador Dantas, que deveria estudar a abolição completa da escravatura, o Imperador discutiu com ele as condições em que o apoiaria. Em certa altura, advertiu-o:
— Pois bem, Sr. Dantas, mas quando o senhor quiser correr, eu o puxo pela aba da casaca.

Durante o período mais crítico da guerra do Paraguai, o Imperador escreveu um bilhete ao ministro da Marinha, que era então Afonso Celso, futuro Visconde de Ouro Preto. Lembrava a remessa de uns objetos que Tamandaré, chefe da esquadra, reclamava insistentemente do Sul. Respondeu-lhe o ministro: “Senhor, os objetos pedidos pelo almirante seguiram ontem. Fique Vossa Majestade tranqüilo, certo da minha vigilância no pronto cumprimento de todos os meus deveres, mesmo quando não mos lembram”.
A resposta era uma evidente impertinência. Qualquer outro homem menos ponderado não deixaria de chamá-lo às falas, ainda mais que se tratava de um rapazola de 30 anos, novato na alta administração do Império. O Imperador, porém, replicou quase se desculpando, em resposta redigida imediatamente, às 2 horas da madrugada: “Sr. Celso, sei que a sua vigilância patriótica é tão grande quanto a minha. Mas, nesta quadra de dificuldades e preocupações, devemos todos, mais do que nunca, ajudar-nos uns aos outros”.

Depois de uma entrevista que tivera com José de Lima, irmão de Caxias, o Imperador escreveu ao Visconde do Rio Branco: “Disse a José de Lima que escrevesse ao irmão, afirmando que sua presença no Paraguai era indispensável, pelos motivos que tenho exposto. Disse-lhe também que eu estava inclinado a julgar a guerra finda, mas que era necessária a direção de Caxias, para que López fosse coagido a deixar o Paraguai, se não pudesse ser preso, e isto quanto antes. Diga a Caxias que não lhe dou direito para adoecer, nem para deixar de ter fé na sua estrela, que brilha cada vez mais”.

Havia no Rio um pasquim chamado “O Corsário”, redigido em linguagem baixíssima, que atirava lama sobre a reputação das pessoas, de preferência as mais dignas. Em um dos artigos, ocupou-se de enlamear a Princesa Isabel. Magoado com a calúnia, o Imperador chamou a atenção do presidente do Conselho de Ministros, pedindo-lhe que pusesse fim a tais infâmias. Este alegou um dos artigos da Constituição, e não tomou nenhuma providência.
Dias depois o pasquim voltou suas baterias para os lados do presidente do Conselho. Tomado agora de zelo, este lembrou ao Imperador a necessidade de uma medida drástica, que pusesse fim a tal selvageria. E recebeu o troco:
— É justo o que o senhor lembra. Mas o artigo número tal da Constituição o impede...


Ante a magnanimidade do Imperador, os melindres de José de Alencar

De há muito se levantavam queixas contra o comandante da Guarda Nacional, que era então o general Manoel Antonio da Fonseca Costa, Marquês da Gávea. Se essas queixas eram ou não bem fundadas, ignoramos. Quer por esse motivo, quer porque o ministro da Justiça José de Alencar tivesse contas a ajustar com ele, já entrara para o Ministério com o plano de demitir aquele comandante superior.
Em reunião ministerial, fundamentou e apresentou o decreto de demissão. O íntegro chefe do Gabinete, Visconde de Itaboraí, ponderou-lhe que as queixas que se levantavam não davam para tanto, fazendo ver ao colega que o Imperador era amigo de Fonseca Costa, e que não assinaria assim tão facilmente a sua demissão. José de Alencar insistiu, e o Gabinete concordou afinal.
Na ocasião do despacho, chegada a vez do Ministério da Justiça, o Imperador leu o decreto da demissão; mas, em vez de assiná-lo, limitou-se a monossilabar – “bem...” – e a pô-lo por baixo de todos os papéis. Depois de rubricar um certo número de decretos, fechando a pasta, acrescentou:
— O resto fica para depois.
Notando Alencar que os colegas sorriam, e com particular ênfase o Barão de Cotegipe, suspeitou que o procedimento do Monarca lhe fosse antagônico. Efetivamente, era essa a forma imperial de rejeitar o decreto que não lhe agradava.
Segunda vez voltou Alencar com o mesmo decreto de demissão, e segunda vez tornou o Imperador à costumada manobra, acrescentando:
— Veremos isto outra vez.
Não era preciso mais, a um ministro como José de Alencar, para tomar um partido decisivo. Na primeira reunião ministerial, declarou terminantemente que deixaria a pasta se ela não voltasse do próximo despacho com o malfadado decreto assinado pelo Imperador. No esperado despacho, quando a mão imperial se preparava para remover o conhecido decreto para o último lugar, a do ministro da Justiça, impedindo o movimento, apresentou outro papel, dizendo Alencar um tanto bruscamente:
— Se Vossa Majestade não quer assinar esse, assine este.
Era o de sua exoneração. D. Pedro fez algumas observações no sentido de não assinar nenhum dos dois decretos, mas diante da insistência do ministro, cedeu, assinando afinal o da demissão do comandante da Guarda Nacional.

A nomeação dos senadores, escolhidos nas listas tríplices dos mais votados, que os presidentes do Conselho lhe apresentavam, foi sempre, para o Imperador, um ato ou uma decisão em que só via o interesse da Pátria e o decoro do Senado. Nunca se poderá dizer que, ao nomear um senador, ele não tenha agido de boa fé e procurado o bem da Nação, pondo de parte as suas simpatias pessoais pelo escolhido. Colheu com isso não poucos dissabores, deixando de escolher certos eleitos que entendiam ser merecedores do cargo, como foi o caso, entre outros, de José de Alencar. Mas agiu sempre de acordo com a sua consciência e correspondendo aos interesses do País.

D. Pedro II foi contrário, desde o princípio, à candidatura de José de Alencar, então ministro da Justiça, à cadeira de senador pelo Ceará, para o que apresentou razões ponderáveis. Apesar disso, Alencar se candidatou. No dia em que foi comunicar a sua decisão, o Monarca objetou-lhe:
— No seu caso, não me apresentaria agora. O senhor é muito moço.
— Pela mesma razão, então, Vossa Majestade deveria ter devolvido o ato que o declarou maior antes da idade legal. Entretanto, ninguém, até hoje, deu mais lustre ao Governo do que Vossa Majestade.
— Bem sabe que obedeci a uma razão de Estado.
— É também uma razão de Estado para um político não desamparar o seu direito.
— Faça como entender. Dei a minha opinião...
— Que vale uma sentença...
Melindrado, José de Alencar declarou verdadeira guerra ao Imperador, passando a atacá-lo em irados artigos de jornal. O que tinha sido, para o Imperador, uma questão de princípio, um incidente de moral política, de defesa do regime, Alencar transformou, com sua oposição sistemática à Coroa e seus ataques ao Monarca, numa questão pessoal, num suposto caso de perseguição contra ele, dando margem a que se arquitetassem sobre o assunto toda sorte de fantasias, não sendo das mais ridículas uma imaginária inveja do Imperador em relação à glória literária de Alencar.

Muito tempo depois de morto José de Alencar, D. Pedro II confidenciou:
— Tive sempre José de Alencar no alto apreço que de todos mereceu, pelos talentos e aptidões. Embora lamentando as circunstâncias que o tornaram tão hostil a mim, não me arrependo da resolução que julguei dever tomar.

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